“O cupom falso”: Lev Tolstói retrata catástrofes da vida em romance minimalista

Depois de levar a arte do romance ao seu apogeu com Guerra e paz e Anna Kariênina — amplos panoramas que desenham com nitidez espantosa tanto o que se passa no interior do indivíduo como no conjunto das forças sociais —, Lev Tolstói, no auge de sua fama, dedicou-se a buscar uma forma minimalista, capaz de condensar nas poucas páginas de uma novela toda a riqueza e a complexidade de um grande romance. Este é o caso de O cupom falso!

Concebido ao longo de mais de uma década e publicado somente em 1911, um ano após a morte do autor, O cupom falso está estruturado em duas partes simétricas. Se, na primeira, a falsificação de um cupom (espécie de nota promissória com valor de dinheiro na sociedade russa da época) por um jovem estudante dispara uma sequência de acontecimentos catastróficos envolvendo múltiplos personagens, na segunda parte assistimos ao movimento reverso, em que as ações humanas passam do mal à redenção.

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Na orelha do livro, Gustavo Pacheco resume a história como o relato de “dois estudantes falsificam um cupom para conseguir um punhado de rublos e assim poder saldar uma dívida.” Porém, deste ato banal “que poderia ser apenas uma traquinagem sem maiores consequências” o que se vê é uma “uma sucessão vertiginosa e imprevisível de acontecimentos, pequenas e grandes tragédias que deixam à mostra as contradições morais de todas as classes da sociedade russa.”

Nesta novela curta e intensa, um dos pontos altos da ficção tardia de Lev Tolstói, ninguém sai ileso: mujiques, presidiários, donas de casa, funcionários públicos, padres, comerciantes, latifundiários e até o próprio tsar são afetados pela avalanche de dilemas provocada pelo “pecado original” da falsificação.

“Espécie de versão em miniatura das longas sagas romanescas, O cupom falso explora de maneira condensada e lapidar algumas das principais obsessões que Tolstói cultivou durante toda a vida: a injustiça social, a hipocrisia religiosa, a tensão entre conformismo e rebeldia, o contraste entre atraso e modernidade, os caminhos tortuosos da redenção espiritual. Ambicioso em forma e conteúdo, O cupom falso consegue a proeza de, em menos de cem páginas, construir um vasto afresco social e moral que não fica nada a dever aos grandes romances da sua e de qualquer época”, finaliza Pacheco.

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Quem é Tolstói?

Lev Nikolaiévitch Tolstói nasce em 1828 na Rússia, em Iásnaia Poliana, propriedade rural de seus pais, o conde Nikolai Tolstói e a princesa Mária Volkônskaia. Em 1845, Tolstói ingressa na Universidade de Kazan para estudar Línguas Orientais, mas abandona o curso e transfere-se para Moscou e depois para Petersburgo. Em 1851 alista-se no exército russo, servindo no Cáucaso, e começa a sua carreira de escritor, publicando os livros de ficção InfânciaAdolescência e Juventude em 1852, 1854 e 1857, respectivamente. De volta à Iásnaia Poliana, funda uma escola para os filhos dos servos de sua propriedade rural. Em 1862 casa-se com Sófia Andréievna Behrs, então com dezessete anos, com quem teria treze filhos. 

Os cossacos é publicado em 1863, Guerra e paz, entre 1865 e 1869, e Anna Kariên ina, entre 1875 e 1878, livros que trariam enorme reconhecimento ao autor. No auge do sucesso, Tolstói passa a ter recorrentes crises existenciais, processo que culmina na publicação de Confissão, em 1882, onde o autor renega sua obra e assume uma postura social-religiosa que se tornaria conhecida como “tolstoísmo”. Mesmo assim, continua a produzir obras-primas como as novelas A morte de Ivan Ilitch (1886), A Sonata a Kreutzer (1891) e Khadji-Murát (1905). Espírito inquieto, foge de casa aos 82 anos de idade para se retirar em um mosteiro, mas falece a caminho, vítima de pneumonia, na estação ferroviária de Astápovo, em 1910.

Sobre a tradutora:

Priscila Marques nasceu em São Paulo em 1982. É formada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com mestrado e doutorado em Literatura e Cultura Russa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Traduziu, para a Editora 34, dois contos incluídos na antologia Clássicos do conto russo (2015), a novela Uma história desagradável, de Fiódor Dostoiévski (2016), e mais de vinte textos para o volume Contos reunidos de Dostoiévski (2017). É também autora da organização, tradução e notas da coletânea Liev S. Vigotsky: escritos sobre arte (Mireveja, 2022).

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