As literaturas de Aline Bei: entre o peso e a coreografia

Eu costumo dizer que a literatura é uma alegria. Não porque ela alegra, pelo menos não sempre, mas porque a tristeza dela vem de uma fonte de criação que é aquilo que “anima” a vida. Quando conheci a literatura da Aline Bei, foi exatamente essa a sensação que tive: de que, por ver algo novo acontecer, o mundo era todo diferente, novo e alegre. E foi lendo seus poemas (que inclusive estão aqui uma matéria aqui em 2015) que descobri que este mundo que se revelava precisava chegar a mais gente.

Nas duas obras publicadas por Aline Bei, “O peso do pássaro morto (2017, Editora Nós) e Pequena Coreografia do Adeus (2021, Companhia das Letras), podemos ver histórias que se desdobram por muitos temas, perdas, dores, descobertas, vidas em microcosmos, mas em infinitos, que encontramos também um verdadeiro ballet das formas literárias. Livros que dançam na página, que façam pelos passos que correm, levem e pesados, coreografados mas soando improvisados.

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Escritora Aline Bei

Para apresentar um pouco mais sobre o seu trabalho, eu, Luiz Antonio Ribeiro, tive a alegria de entrevistar Aline Bei aqui para o Jornal Nota. Confira a entrevista:

Luiz – Eu sinto realmente alegria de ver seu sucesso e os seus livros pelo mundo porque te acompanho faz tempo. Eu lembro de acompanhar as suas poesias, as suas organizações de sarau e todo seu ativismo na arte. E isso me traz a primeira pergunta: quando você percebeu que suas poesias, já bastante narrativas, dariam conta de formar os seus romances que, a meu ver, são grandes poemas em prosa?

Aline Bei – não olho para os meus escritos com um nome na boca. quando comecei a escrever minhas histórias mais longas, foi numa continuação natural da pesquisa que teve início mais ou menos na época em que nos conhecemos. e as coisas vão se adentrando nas coisas, a escrita vai fazendo novos pactos. amadurece, perde, ganha. está tão viva quanto eu ou você. 

Quando comecei a ler seus textos, percebia uma forte conexão sua com os poetas da contracultura, das ruas e do submundo. Para os livros, tive uma impressão que houve uma passagem, uma guinada na sua escrita. Você poderia dizer que encontrou um ponto de interseção entre a contracultura e o feminismo, um feminismo contracultura ou eu estou indo longe demais?

não vejo desse modo, como se a escrita fosse um salto e agora, ao que parece, cheguei em um lugar de interseção. a verdade é que eu sempre estive nele, estamos sempre em devires, a escrita se constitui justamente nessa tensão. o que posso dizer é que sou a escritora que fui e a que serei, espiralmente. 

Quando eu li O peso do pássaro morto eu tive a nítida impressão de que estava lendo uma epopeia íntima. E eu me explico: de um lado, tinha uma história eu percebia que narrava as histórias de muitas mulheres, então tinha algo de coletivo. De outro, parecia uma história tão íntima, tão grudada às suas personagens. Como foi a construção desse livro e como você vê ele hoje olhando pra trás?

também não vejo o tempo dessa forma, como se ao viver tomássemos cada vez mais distância das coisas que fizemos. posso, em dez anos, estar mais próxima do Pássaro do que jamais estive. o que sei é que encontro meus livros um dentro do outro. o Pássaro encontrei nos meus textos mais curtos, lá no verbo perder. a Pequena eu encontrei nos olhos do Lucas, um personagem do Pássaro. o livro que escrevo agora encontrei em um lugar que ainda não conto, mas que está dentro da Pequeno e o quarto livro já se insinua na atmosfera que o terceiro constrói. gosto de pensar nos meus livros sem borda. como se os mundos de cada um deles pudessem se tocar.  

Os dois livros publicados por Aline Bei

Acho espetacular também a forma de seus escritos porque há uma tradição de escritos de poemas em prosa, com versos brancos, mas que, no seu caso, ganha uma outra potência, outra dinâmica. Pode contar um pouco como você chegou a esta forma, a este jeito de colocar sua voz no papel?

quando comecei a escrever, tive a impressão de ser poeta. isso me deu a folha, não só a liberdade ou a ilusão de uma liberdade já que a linguagem é para sempre um modo de não poder tudo. a linguagem organiza, limita, cerca, talvez nunca toque o centro das coisas, mas tenta, do mesmo modo que a música, a pintura e as outras artes. 

quando digo a folha, digo no sentido de elemento de escrita. folha, pra mim, é escrita. e pensar o espaço me fez não perder o teatro enquanto escrevo.  

No Pequena coreografia do adeus estamos de novo diante de uma história cheia de sensibilidade, mas também ambivalências: assim como o pássaro morto pesa, o adeus pode dançar? Como é isto no seu livro?

tenho percebido esta minha inclinação ao movimento. um estudo de  microcorpos e microtempos. também a tentativa de adiar o inevitável, no Pássaro a morte, na Pequena o adeus. no meu terceiro livro há esse mesmo exercício. mas ainda não posso falar a palavra (ou a força) que ele adia. 

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