O país escolhido da vez foi a França e escolhi ler um dos clássicos menos conhecidos de Jean Paul Sartre que, no teatro, ganhou projeção com a peça Entre Quatro Paredes. Optei por escolher essa peça, pois tinha o livro aqui em casa e já havia adiado sua leitura algumas vezes. Além disso, as dramaturgias do autor sempre me chamaram atenção, principalmente a sua incrível Mortos sem Sepultura, sobre presos políticos em um regime autoritário. As Moscas foi encenada pela primeira vez em 1943 no Théatre de la Cité, em Paris e atualiza a questão da liberdade e da autonomia dos sujeitos frente as leis e aos dogmas religiosos.
As Moscas, de Jean Paul Sartre é uma peça de teatro do autor existencialista que reconta os mitos gregos de Electra e Orestes, filhos de Agamemnon e Clitemnestra, todos controlados pelo infalível deus Júpiter. Na peça, a população vive repleta de remorsos e sentimentos de culpa por conta de seu passado de crimes, traições e violências, e se sente a todo instante controlada pelas figuras sombrias de Clitemnestra e Egisto, que matara Agamemnon e agora comanda a cidade.
Leia também: As 14 melhores frases de As Moscas, de Jean Paul Sartre
A história gira em torno da tentativa de Orestes, que havia sido criado longe de sua terra para vingar a morte do pai, de reencontrar a irmã e retomar o poder que lhe era de direito. Ao chegar na cidade, percebe que está em um dia em que, para colocar medo na população, Egisto e Clitemnestra evocam os mortos que cada um tem dentro de si inventando que cada pessoa viverá com todos os seus fantasmas por 24 horas. O clima da cidade é denso, pesado, com baixa visibilidade e pouco horizonte, repleto de moscas que circunda os corpos e as mentes de todos espelhando um sentimento geral de um povo acuado. No entanto, Orestes recebe uma das maiores dádivas, a única que pode enfrentar o podes dos deuses: a liberdade!
Não incrimineis tão depressa os deuses. Achais que deverão sempre castigar? Então não seria melhor aproveitassem a desordem em benefício da ordem moral?
Trata-se de um espetáculo que busca em sua forma referenciar-se, como atualização, da estrutura cênica dos gregos, principalmente das peças de Sófocles, espelhando uma disputa entre a lei mítica e a lei dos homens, porém agora adicionando uma terceira instância que é a liberdade. Assim, as personagens partem de estereótipos, de modo a dar uma dimensão trágica, ainda que moderna, para suas escolhas. Sartre divide o espetáculo em atos clássicos e não poupa o uso do formato mais tradicional, como se buscasse propriamente fazer um espetáculo que possa ser lido simultaneamente como antiga, contemporânea e atemporal.
Todas as pessoas te vão implorar que as condenes. Mas toma cuidado e julga-as só pelos seus erros que te confessarem, pois os outros a ninguém dizem respeito e ficarão todos muito pouco satisfeitos contigo se os descobrires.
No fim das contas, o espetáculo retrata um grande embate entre a liberdade de Orestes e a tentativa de manutenção do poder de Júpiter, assim como a sofrida vida do povo que gira ainda ao redor dos grandes mitos que controlam seus corpos, mentes, atos e gestos. Uma história que fora essencial para mostrar a queda da mitologia e a ascensão da razão na Grécia Antiga e que mostra, no século XX, como se pode abrir de todo e qualquer pensamento que não nos leve a mais suprema (e desesperadora) liberdade!
Compre o livro aqui!
Sobre o Teatro do Mundo
O projeto Teatro do Mundo é um mergulho no gênero teatral em busca de dramaturgias escritas (e nem sempre publicadas) ao redor do mundo. Todos os dias eu sorteio um país, procuro uma peça dele e escrevo sobre ela. Sejam bem-vindos!