Os 10 melhores poemas de Cacaso

Você sabe quais são os melhores poemas de Cacaso? Aliás, você conhece a poesia de Cacaso? Antônio Carlos de Brito, conhecido como Cacaso, foi um professor universitário, letrista e poeta brasileiro.
Depois de viver no interior de São Paulo, se mudou onze anos para o Rio de Janeiro, onde estudou Filosofia. Nas décadas de 1960 e 1970, lecionou Teoria da Literatura e Literatura Brasileira na PUC-RJ. Foi colaborador regular de revistas e jornais, como Opinião e Movimento, tendo, entre outros assuntos, defendido e teorizado acerca do cenário poético de seus contemporâneos.

Entre eles, estava a geração mimeógrafo, criadores da dita poesia marginal, que ganhou publicidade com a antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, com quem Cacaso, em janeiro de 1974, escreveu o artigo “Nosso verso de pé quebrado”, no qual fazem uma síntese das poéticas de então. Seus artigos estão reunidos em Não quero prosa, publicado em 1997.

O poeta nasceu em Uberaba, 13 de março de 1944 e morreu em 27 de dezembro de 1987.

O NaTerapia separou os melhores poemas de Cacaso. Confira:

Dentro de Mim Mora um Anjo

Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim
dentro de mim mora um anjo
que tem a boca pintada
que tem as asas pintadas
que tem as unhas pintadas
que passa horas a fio
no espelho do toucador
dentro de mim mora um anjo
que me sufoca de amor

Dentro de mim mora um anjo
montado sobre um cavalo
que ele sangra de espora
ele é meu lado de dentro
eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim

Dentro de mim mora um anjo
que arrasta as suas medalhas
e que batuca pandeiro
que me prendeu nos seus laços
mas que é meu prisioneiro
acho que é colombina
acho que é bailarina
acho que é brasileiro

No caminho da Gávea

O táxi para na esquina e meu

coração está calcinado.

A paisagem é impecável no seu

espetáculo simétrico e lento. O sol cochila.

Do outro lado da rua e de mim

o mar deságua em si mesmo.

Refém

Eu sempre quis requebrar
só me faltou poesia
eu nunca soube rimar
mas sempre tive ousadia
nunca joguei o destino
e nem matei a família
a minha sorte na vida
se escreve com C cedilha
Eu nunca tive ideal
nunca avancei o sinal
nem profanei minha filha
Eu me perdi muito além
sendo meu próprio refém
na solidão de uma ilha

Eu sempre quis acertar
só me faltou pontaria
eu nunca soube cantar
mas sempre tive mania
nunca brinquei carnaval
e nem saí da folia
nunca pulei a fogueira
e nem dancei a quadrilha
Eu nunca amei a ninguém
nunca devi um vintém
nem encontrei minha trilha
Eu me perdi muito além
sendo meu próprio refém
na solidão de uma ilha

Hora do recreio

O coração em frangalhos o poeta é

levado a optar entre dois amores.

as duas não pode ser pois ambas não deixariam

uma só é impossível pois há os olhos da outra

e nenhuma é um verso que não é deste poema

Por hoje basta. Amanhã volto a pensar neste

                                                                   problema.

Hora e Lugar

Nosso amor foi um tormento
mas eu queria voltar
com você o sofrimento
era fácil de aguentar
até mesmo o fingimento
tinha lá o seu lugar
Mas sem você é um despeito
eu não me entendo direito
saio da terra e do ar
Nosso amor foi um deserto
mas tinha tudo pra dar
faltou apenas dar certo
questão de hora e lugar
A razão me trouxe embora
mas eu queria ficar
a paixão que me devora
sei que ela vai me matar
A vida vai lá fora
preciso de respirar
mas sem você é um sufoco
eu não me mato por pouco
ando fugindo do azar
Nosso amor passou por perto
tava tão fácil de achar
só faltou ser descoberto
questão de hora e lugar

Primeiras impressões

jamais quis tão pouco nesta vida

ouvir de uma certa boca a palavra adeus

o navio deixa o cais e uma negra foice

mergulha e novamente mergulha e novamente

sons esparsos martelando tímpanos

que são cerejas e gorjeios da passarada

cai a noite jamais quis tão pouco nesta vida

ouvir numa certa hora a palavra adeus

Lero-Lero

Sou brasileiro
de estatura mediana
gosto muito de fulana
mas sicrana é quem me quer
porque no amor
quem perde quase sempre ganha
veja só que coisa estranha
saia dessa se puder

Eu sou poeta
e não nego minha raça
faço verso por pirraça
e também por precisão
de pé quebrado
verso branco rima rica
negaceio dou a dica
tenho a minha solução

Não guardo mágoa
não blasfemo não pondero
não tolero lero-lero
devo nada pra ninguém
sou esforçado
minha vida levo a muque
do batente pro batuque
faço como me convém

Sou brasileiro
tatu-peba taturana
bom de bola ruim de grana
tabuada sei de cor
4 x 7
28 noves fora
ou a onça me devora
ou no fim vou rir melhor

Não entro em rifa
não adoço não tempero
não remarco o marco zero
se falei não volto atrás
por onde passo
deixo rastro deito fama
desarrumo toda trama
desacato satanás

Diz um ditado
natural da minha terra
bom cabrito é o que mais berra
onde canta o sabiá
desacredito
no azar da minha sina
tico-tico de rapina
ninguém leva o meu fubá

Veja também: Os 5 melhores poemas de Mar de Mineiro, de Cacaso

Reencontro

Percorres a casa e observas: o corredor é longo,

quantos quartos, e eu navego teus olhos

                                                      escavando

nossos corpos noturnos mapeados.

Pouco a pouco as formas endurecem e nos

        vemos

por fim pacificados: não sou quem pensas não és

                                                     quem penso,

amargos nos deixamos tão carentes

desta fome por tanto acumulada.

Chegaste agora quando a vida é escombros

      e nossas

                                                     outras imagens

se entrelaçam mas não basta, e nossos corpos

se esfriam germinados.

Por entre lençóis e amoras por entre veios

e gomos cavamos nosso vazio e ali

                                                       nos interpomos:

                                        do que não somos saudosos

                                         sobreviventes do que fomos.

Terceiro Amor

O primeiro amor já passou
o segundo amor já passou
como passam os afluentes
como passam as correntes
que desencontram do mar
Como qualquer atitude
também passa a juventude
que nem findou de chegar

O primeiro amor já passou
o segundo amor já passou
como passam os espelhos
como passam os conselhos
ilusões de pedra e cal
Como passam os perigos
e tantos muitos amigos
sem deixar nenhum sinal

O primeiro amor já passou
o segundo amor já passou
como passam as gaivotas
as vitórias as derrotas
fantasias carnavais
as inocências perdidas
como passam avenidas
corredores temporais
A correnteza dos rios
como passam os navios
que a gente acena do cais

O pássaro incubado

O pássaro preso na gaiola

é um geógrafo quase alheio:

Prefere, do mundo que o cerca,

não as arestas: o meio.

É isso que o diferencia

dos outros pássaros: ser duro.

Habita cada momento

que existe dentro do cubo.

Ao pássaro preso se nega

a condição acabado.

Não é um pássaro que voa:

É um pássaro incubado.

Falta a ele: não espaços

nem horizontes nem casas:

Sobra-lhe uma roupa enjeitada

que lhe decepa as asas.

O pássaro preso é um pássaro

recortado em seu domínio:

Não é dono de onde mora,

nem mora onde é inquilino.

O Fazendeiro do Mar

Mar de mineiro é
inho
mar de mineiro é
ão
mar de mineiro é
vinho
mar de mineiro é
vão
mar de mineiro é chão
Mar de mineiro é pinho
mar de mineiro é
pão
mar de mineiro é
ninho
mar de mineiro é não
mar de mineiro é
bão
mar de mineiro é garoa
mar de mineiro é
baião
mar de mineiro é lagoa
mar de mineiro é
balão
mar de mineiro é são
Mar de mineiro é viagem
mar de mineiro é
arte
mar de mineiro é margem

(…)

Mar de mineiro é
arroio
mar de mineiro é
zem
mar de mineiro é
aboio
mar de mineiro é nem
mar de mineiro é
em
Mar de mineiro é
aquário
mar de mineiro é
silvério
mar de mineiro é
vário
mar de mineiro é
sério
mar de mineiro é minério
Mar de mineiro é
gerais
mar de mineiro é
campinas
mar de mineiro é
Goiás
Mar de mineiro é colinas
mar de mineiro é
minas

E aí, o que achou dos melhores poemas do Cacaso?

Fonte:
http://ermiracultura.com.br/2019/05/24/cinco-poemas-de-cacaso/
https://www.escritas.org/pt/cacaso

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