10 citações de “As coisas que perdemos no fogo”, de Mariana Enriquez

Publicada em 2016, esta obra da escritora argentina Mariana Enriquez é uma inesquecível coletânea de doze contos macabros e incrivelmente sensíveis, nos quais a autora aborda as mais diversas pautas sociais relevantes, desde a pobreza, o abandono de crianças, pessoas em situação de rua, abuso de substâncias, a poluição ambiental, o machismo, o feminicídio, a violência policial e a deficiência física. Os personagens de Enriquez são vívidos reflexos da sociedade: repletos de culpa, medo e insegurança, eles em geral enfrentam complexas questões próprias quando se deparam com algum elemento inusitado, em geral perturbador, beirando ao sobrenatural, mas sempre com uma relação bastante direta com os problemas sociais vivenciados pelos personagens, o que torna as narrativas assustadoramente reais e de fácil identificação.

O que mais assusta na escrita de Enriquez é a maneira como em cada linha ela enfatiza a relação entre o horror e a realidade, demonstrando como os elementos de horror sobrenatural, por mais macabros que sejam, chocam não apenas pelo aspecto macabro, estranho, às vezes inexplicável, mas pelo inquietante fato de serem reflexos dos pesadelos cotidianos que nos cercam no mundo real.

As narrativas trazem desde casas amaldiçoadas, crianças monstruosas e assassinas, uma adolescente que se automutila na sala de aula, uma mulher obcecada por uma caveira, e até mulheres que ateiam fogo em si mesmas como forma de protesto.

Para trazer um pouco mais dessa atmosfera forte e perturbadora da obra de Enriquez, separamos 10 das citações mais marcantes de As coisas que perdemos no fogo.

O morto espera sonhando.

Todos caminhamos sobre ossos, é uma questão de fazer buracos profundos e alcançar os mortos encobertos.

Não consigo esquecer aquelas tardes: quando Adela contava, quando se concentrava e seus olhos escuros ardiam, o jardim da casa se enchia de sombras, que corriam, que saudavam, brincalhonas. Eu as via quando Adela se sentava de costas para a vidraça, na sala de estar.

A casa não tinha nada de especial à primeira vista, mas, quando se prestava atenção, era possível notar detalhes inquietantes. As janelas estavam tapadas, completamente fechadas com tijolos. Para evitar que alguém entrasse ou que algo saísse?

Vera e eu vamos ser belas e leves, noturnas e terrestres; belas crostas de terra sobre os ossos. Esqueletos ocos e bailarinos. Nada de carne sobre nós.

Sonho: algum dia, quando me sentar neste piso de madeira, terei ossos em vez de nádegas, e os ossos vão atravessar a carne e vão deixar rastros de sangue no chão, vão cortar a pele por dentro.

Talvez eu não fosse a princesa no castelo, mas a louca encarcerada na torre.

Durante anos pensei que este rio podre fizesse parte do nosso caráter, entende? Nunca pensar no futuro, bah, vamos jogar toda a imundície aqui, o rio leva tudo! Nunca pensar nas consequências, melhor dizendo. Um país de irresponsáveis. Mas agora penso diferente, Marina. Todos os que contaminaram este rio foram muito responsáveis. Estavam tapando algo, não queriam deixá-lo sair e o cobriram com camadas de óleo e barro!

O problema é que não acreditam em nós. Dizemos que nos queimamos porque queremos e não acreditam.

As queimas são feitas pelos homens, menina. Sempre nos queimaram. Agora nós mesmas nos queimamos. Mas não vamos morrer; vamos mostrar nossas cicatrizes.

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