Maria Firmina dos Reis, autora de “Ursula”, foi por décadas retratada como branca em estátuas e quadros no Maranhão, onde nasceu e viveu. Agora, sabe-se que as obras da escritora negra foram pioneiras da literatura negro-brasileira antiescravista no país.
Até pouco tempo atrás, muito pouco se sabia a respeito da mulher que hoje é considerada a primeira romancista negra brasileira. Nem mesmo a data de nascimento de Maria Firmina dos Reis era precisa; acreditava-se que a escritora teria nascido em outubro de 1825, mas, na realidade, seu nascimento se deu em 11 de março de 1822, sendo a data de 1825 correspondente ao seu batismo, e não ao seu nascimento.
Autora de “Ursula”, publicado em 1859, que conta a trágica história de amor entre a jovem Ursula e o bacharel Tancredo, Maria Firmina fez mais do que escrever histórias de amor impossível, tão comuns à sua época. As preocupações do romance envolvem uma ousada e importante discussão em torno da raça, sendo “Usrula” um pioneiro romance antiescravista do país.
Mesmo tendo sido publicado anos antes de O Navio Negreiro de Castro Alves, de 1880, ou A Escrava Isaura, publicado em 1875 por Bernardo Guimarães, tanto o livro quanto a autora foram esquecidos, especialmente depois da morte de Maria Firmina, e não figuram entre as principais obras antiescravistas do currículo escolar, por exemplo.
E essa é apenas uma das formas por meio das quais a primeira escritora negra brasileira foi invisibilizada na e pela História. Em uma densa reportagem da BBC Brasil, é possível conhecer mais sobre uma confusão que fez com que, por décadas, Maria Firmina fosse conhecida como uma mulher branca.
Retratada com cabelos presos, um vestido belo e luxuoso e um colar no pescoço de pele branca em um quadro na Câmara de Vereadores de Guimarães, no Maranhão, um quadro que supostamente seria um retrato da autora ficou pendurado na parede até o ano de 2012, quando foi retirado. Acredita-se que, de alguma forma, Maria Firmina dos Reis tenha sido confundida com a escritora gaúcha Maria Benedita Câmara, conhecida também como Délia. Segundo uma pesquisadora da UFMA, sabia-se que aquela não era de fato Maria Firmina, mas como o quadro havia sido doado por uma pessoa influente da cidade, o quadro permaneceu pendurado durante todo esse tempo. Até hoje, pesquisas no Google pelo nome da autora indicam fotografias de Délia, e não de Maria Firmina.
Para além do quadro, há na Praça do Pantheon, em São Luís, um busto esculpido da autora, uma figura feminina dentre outros bustos masculinos, que também retratam Maria Firmina com traços brancos, e não negros: na escultura, a autora tem nariz e lábios finos e cabelos lisos presos em um coque.
Maria Firmina dos Reis não deixou retratos ou fotos em que ela aparecesse. No entanto, foi descrita por conhecidos e ex-alunos como tendo “rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, cortado curto e amarrado na altura da nuca, com nariz curto e grosso”.
Toda a confusão em torno da imagem de Maria Firmina dos Reis foi por muito tempo deixada de lado, até que a autora foi “redescoberta” em 1962. Entre 2017 e 2018, “Ursula” ganhou 13 edições e, aos poucos, o lugar da escritora como uma das mais importantes escritoras negras da literatura brasileira vem sendo recuperado, ainda que algumas dessas violências e invisibilizações sejam em certa medida irrecuperáveis. Um lugar mais do que merecido.