Folk Horror e Escrita criativa: entrevista com Daniel Gruber

Nos últimos anos, um subgênero do horror chamado Folk Horror alcançou bastante sucesso no cinema com o lançamento de títulos como A Bruxa, dirigido por Robert Eggers, e MidSommar, de Ari Aster. Conhecido como uma ramificação do horror em que as narrativas se passam em ambientes campestres, geralmente com densas florestas e locais muito isolados, o Folk Horror vem ganhando mais espaço e destaque também na literatura nacional: na obra do autor gaúcho Daniel Gruber, o medo é em geral representado como um fruto do desconhecido provindo dos cantos sombrios mais afastados dos ambientes urbanos.

Natural de Novo Hamburgo/RS, atualmente morando ao pé da serra gaúcha com sua esposa, filho e três gatos, Gruber é escritor, editor e professor, graduado em jornalismo, Mestre em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale e Doutor em Escrita Criativa pela PUCRS.

Gruber também é o criador e administrador do site Escuro Medo (www.escuromedo.com), sobre cinema e literatura de terror, e da editora O Grifo (www.ogrifo.com.br). Autor dos livros de contos O Jardim das Hespérides (2017) — finalista do Prêmio Sesc e Minuano — e Animais diários (2019) — finalista do Prêmio AGES — pelo seu próprio selo. A Floresta (2020) é sua primeira narrativa longa, publicada de forma independente pelo Kindle Direct Publish.  

Os seus livros físicos podem ser adquiridos diretamente no site da editora, www.ogrifo.com.br e os e-books na Amazon (a página de autor é https://www.amazon.com.br/kindle-dbs/entity/author/B088YCHDZN?ref_=dbs_p_ebk_r00_abau_000000).

Confira abaixo a entrevista concedida pelo autor, na qual ele comenta suas principais influências no mundo literário, a presença do Folk Horror em sua obra e traz recomendações de mais obras seguindo o tema . O autor também comenta sobre o processo de escrita de seu romance, ainda inédito, A Hora do Cordeiro, o qual foi desenvolvido como parte de sua tese de Doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS, além de trazer dicas para escritores iniciantes.

Como iniciou o seu interesse pela literatura? E pela escrita? Com que idade você começou a escrever?

Eu era um adolescente que jogava RPG no final dos anos 90. Foi ali que começou meu interesse por livros, mundos imaginários e criação de histórias. A possibilidade de criar meus próprios universos, histórias e personagens foi a motivação para passar dos jogos para a literatura. Minha formação de leitor aconteceu por meio das histórias de fantasia e dos romances históricos, e depois passou para as novelas policiais, histórias de mistério e romances góticos, até ir parar nos contos e nos romances realistas contemporâneos. Hoje em dia leio de tudo, incluindo ensaios e divulgação científica. Só me sinto em dívida com a poesia.

O Nome da Rosa, do Umberto Eco, foi o primeiro livro que me impactou de verdade. Na época eu não entendia nada daquelas longas conversas filosóficas, mas a atmosfera sombria do livro me tocou de tal forma que reli ele logo depois. Foi ali que desejei me tornar escritor. Não bastou ler livros como esse, eu precisava colocar meus prórpios personagens conversando, dizendo coisas que eu estava ansioso por dizer. Com o tempo fui domando essa ansiedade, mas ando com ela sempre no limite. O dia que deixar de ser inquieto provavelmente deixarei de ser escritor (espero que nunca). 

O que chamou mais a sua atenção no mundo do horror/terror? Lembra qual obra ou quais obras foram as suas primeiras favoritas no gênero?

Sempre fui fã de filmes de terror. Quando era criança, eu ficava assustado e ao mesmo tempo fascinado com filmes de lobisomem e extraterrestres. Mas foi quando assisti a O Exorcista que fui realmente transformado pela proposta do horror, que é a de confrontar nossos piores medos. Desde então se tornou meu gênero favorito. Outro filme que me marcou foi A Bruxa de Blair. Era um filme em que não aparecia nada, apenas ruído, mas a sugestão de algo rondando era muito mais assustador do que monstros explícitos. Desde então essa foi a minha perspectiva preferida dentro do gênero, o horror que não vemos, que não sabemos e que vai mexendo com nossos nervos até que nosso coração fique palpitando em frente à tela (ou à página).

Alguns aspectos das suas obras lembram muito o que chamamos de folk horror, um subgênero do horror que vem ganhando mais popularidade nos últimos anos, com o sucesso de filmes como A Bruxa e MidSommar. Quando escreveu as suas obras, que podem se encaixar neste subgênero, como A Floresta (publicado no Kindle), já tinha pesquisado sobre o subgênero? O que há neste subgênero que você considera como um atrativo dentro da ficção de horror? Quais obras mais te influenciaram ao escrever os seus romances?

Quando comecei a escrever A Noite do Cordeiro, romance que foi minha tese de doutorado em Escrita Criativa (ainda inédito), ainda não se falava nesse gênero aqui no Brasil. Mas eu já tinha muita influência de filmes como A Bruxa de Blair, A vila (do diretor M. Night Shyamalan) e A bruxa do Robert Eggers, então eu já era fã do gênero sem saber. A ideia de se ver cercado por florestas e populações supersticiosas sempre foi apavorante para mim, talvez por eu ser bem urbano e racional. Esse conflito entre o primitivo e o civilizado me interessa muito, tanto no campo filosófico quanto no estético, e meus livros quase sempre tratam disso.

Você poderia recomendar outras obras de folk horror, tanto na literatura, quanto no cinema?

Além dos já mencionados, gosto bastante de O Ritual (2018) e filmes dos anos 70, como O Homem de Palha, O Estigma de Satanás e Piquenique na Monha Misteriosa. Os filmes Kill list (2011) e Hagazussa (2017) são bastante pesados, mas podem agradar quem curte um horrorzão perturbador. Fora isso, recomendo os livros As possuídas do Diabo, de Thomas Tryon, Cerimônias satânicas, de T.E.D. Klein, e Loney, de Andrew Michael Hurley.

O seu romance inédito A Noite do Cordeiro foi escrito como parte da sua tese de Doutorado no curso de escrita criativa na PUCRS. Você poderia comentar como foi o processo de escrever ficção em um curso de pós em escrita criativa? Como isso influenciou a sua escrita e a suas decisões dentro do romance? Como você diferenciaria a sua escrita de ficção antes e depois da escrita criativa? O que mudou?

O doutorado em Escrita Criativa me proporcionou principalmente tempo para pesquisar e escrever algo de fôlego. Durante quatro anos foi praticamente tudo o que fiz, e certamente não conseguiria ter escrito A Noite do Cordeiro sem esse espaço. Além disso, racionalizar o próprio processo de escrita nos permite olhar para nosso trabalho de forma mais consciente e madura e, por isso mesmo, trabalhar melhor a obra. Reescrevi muitos trechos do romance a partir das reflexões que fazia paralelamente sobre a escrita, especialmente sobre a escrita de horror. Tudo isso foi enriquecedor de uma forma incontornável.

Por ser um romance histórico e tratar de um tema delicado (a presença da Inquisição portuguesa no Brasil colonial e a perseguição a manifestações de bruxaria entre mulheres e a tradições africanas entre os escravos) precisava de uma pesquisa exaustiva, que não incorresse em exageros, caricaturas e distorções. O projeto foi orientado pelo Luiz Antonio de Assis Brasil que, além de ser um dos maiores professores de escrita do país, também é um experiente autor de romances históricos. Tudo isso foi muito importante para o livro, que não é simplesmente um folk horror ou um thriller histórico, mas também uma reflexão social sobre superstição, intolerância e perseguição.

Você recomenda que escritores cursem escrita criativa como forma de aperfeiçoar suas habilidades na escrita? Ou acredita que isso pode ser uma decisão mais pessoal de cada um?

Eu recomendo que façam oficinas literárias e cursos livres de escrita. A pós-graduação é algo mais intenso e só recomendo no caso de quem quer dar aula ou trabalhar com edição de textos. De toda forma, qualquer iniciativa para melhorar a escrita é muito bem-vinda. Sabemos que o talento é individual, de forma que os cursos não podem ensinar ninguém a escrever com voz própria, mas eles podem criar alguns atalhos no aprendizado, principalmente no domínio de ferramentas de escrita e técnicas literárias. Há tantas opções hoje em dia que simplesmente não faz o menor sentido não buscá-las por teimosia ou preconceito.

Para finalizar, que dicas você daria para escritores que estão iniciando ou que desejam aprimorar o seu trabalho?

Diria para terem calma. Pratiquem muito antes de lançarem mais papel no mundo. Publiquem em plataformas digitais, atraiam leitores e pensem em se tornar escritores de verdade só quando forem capaz de dizer algo de uma forma que a maioria das pessoas ainda não disse. Escrevam por hábito, não por inspiração, e fiquem longe do texto várias semanas antes de relê-lo. Se você voltar a ele dois ou três meses depois de escrevê-lo e ainda mexer com suas emoções, siga por aí, talvez tenha valor. Revise, reescreva. Não torne nada público que não tenha passado por várias edições e revisões. Escreva bastante e corte muito. Não importa quão bom você seja, tente sempre cortar 1/5 de tudo que escrever, isso vai garantir que você reduza seu texto ao essencial. E, acima de tudo, não pense que irá brilhar da noite para o dia, pois nesse mercado nada é fácil. Esteja preparado para a frustração, pois ela será sua principal companheira nessa jornada. Se eu chegar no fim eu conto a vocês se realmente vale a pena (ainda não tenho como responder a isso).

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