Os 5 melhores poemas de Gérard de Nerval

Gérard de Nerval (1808 – 1855) é um poeta francês, especificamente do período romântico e hoje considerado um dos autores mais importantes da literatura francesa. A sua poesia, embora esteja associada diretamente ao romantismo, identifica-se pelas características singulares tanto na temática quanto na escrita, sendo o poeta considerado “um original indomável e intemporal”, como menciona o crítico literário Harold Bloom. A sua influência estende-se de Baudelaire a Marcel Proust (ler a homenagem ao “sonho de um sonho” que é Sylvie em Contre Sainte-Beuve”), a Artaud, aos surrealistas André Breton (Nadja) e Michel Leiris (Aurora), assim como a muitos escritores e artistas contemporâneos.

EL DESDICHADO

Eu sou o Tenebroso, – o Viúvo, – o Inconsolado,
O Senhor de Aquitânia à Torre da abulia:
Meu único Astro é morto, o meu alaúde iriado
Irradia o Sol negro da Melancolia.

Na noite Sepulcral, Tu que me hás consolado,
O Posílipo e o mar Itálico me envia,
A flor que tanto amava o meu ser desolado,
E a treliça onde a Vinha à Roseira se alia.

Sou Biron, Lusignan?… Febo ou Amor? Na fronte
Ainda o beijo da Rainha rubro me incendeia;
Eu sonhei na Caverna onde nada a Sereia…

E duas vezes cruzei vencedor o Aqueronte:
Modulando na cítara a Orfeu consagrada
Os suspiros da Santa e os arquejos da Fada.

MIRTO

Eu penso, Mirto, em ti, mágica divindade,
No Posílipo altivo, em mil fogos ardente,
Em tua fronte que mina os brilhos do Oriente,
Na tua trança entre as uvas na áurea escuridade.

Em tua taça também eu bebi a ebriedade,
E no raio furtivo em teu olhar ridente,
Quando de Iacchus aos pés me viram como crente,
Porque a Musa me fez um Grego de outra idade.

Eu sei por que o vulcão além rugiu desperto…
Foi que o houveste tocado ontem de um pé ligeiro,
E o horizonte de cinzas logo foi coberto.

Se os teus deuses em pó fez um duque estrangeiro,
Sempre, sob a virgílica haste do loureiro,
À branca hortênsia se une o verde mirto aberto!

ANTÊROS
Perguntas-me por que no peito tal furor
Sobre o colo dobrado, o espirito indomado;
É porque pela raça de Anteu fui talhado,
Eu devolvo estes dardos ao deus vencedor.

Sim, sou um dos que inspiram esse Vingador,
Ele marcou-me a fronte com lábio irritado,
Na palidez de Abel, assim! ensangüentado,
Eu tenho de Cain o implacável rubor!

Jeová! último, vencido por tua mestria,
Do fundo dos infernos, grita: “Ó tiramia!”
Será meu avô Belus ou meu pai Dagão…

Jogaram-me três vezes em água em Cocito,
E eu só a proteger a mãe Amalecita,
A seus pés planto os dentes do velho dragão.

HÓRUS

O deus Kneph tremendo abalava o universo:
Ísis, a mãe, então ergueu-se do seu leito,
Fez um gesto de ódio ao esposo contrafeito,
E ao verde olhar surgiu o antigo ardor imerso.

Disse ela: “Ei-lo que morre, este velho perverso,
Toda a geada do mundo em sua boca achou preito,
Amarrai seu pé torto, arriai o olho imperfeito,
Este é o deus dos vulcões e o rei do inverno adverso!

A águia passou, o novo espírito me impele,
Por ele eu me vesti com as roupas de Cibele…
É o bem-amado infante de Hermes e de Osíris!”

Fugira a deusa já em sua concha dourada,
O mar fazia rever sua imagem adorada,
E brilhavam os céus por sob o manto de Ísis.

DÉLFICA

Ultima Cumaei venit jam carminis aetas.

Tu a conheces, Dafne, esta antiga romança,
Do sicômoro aos pés, sob os louros pendentes,
Sob a oliveira, o mirto e os salgueiros trementes,
Esta canção de amor que além sempre se lança?

Reconheces o TEMPLO onde a cornija avança,
E os amargos limões onde entravam teus dentes?
E a caverna fatal a hóspedes imprudentes
Onde o dragão vencido esconde a íntima herança?…

Eles retornarão, os Deuses que tu choras!
O tempo recriará a ordem das velhas horas;
De um profético sopro o chão foi sacudido…

Enquanto isso a sibila de rosto latino
Ainda dorme por sob o arco de Constantino:
– E nada perturbou o Pórtico esquecido.

VERSOS DOURADOS
Céus! tudo é sensível
PITÁGORAS

Homem! livre pensador! serás o único que pensa
Neste mundo onde a vida cintila em cada ente?
De tuas forças tua liberdade dispõe naturalmente,
Mas teus conselhos todos o universo dispensa.

Honra na fera o espírito que fermenta…
Cada flor é uma alma em Natura nascente;
Um mistério de amor no metal reside dormente;
“Tudo é sensível!” E poderoso em teu ser se apresenta.

Receia, no muro cego, um olhar curioso:
À própria matéria encontra-se um verbo unido…
Não te sirvas dela para qualquer fim impiedoso!

Quase sempre no ser obscuro mora um Deus escondido.
E, como um olho novo coberto por suas pálpebras,
Um espírito puro medra sob a crosta das pedras!

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