Geir Nuffer Campos (1924 – 1999) foi um poeta, tradutor, editor, jornalista, ensaísta, professor e piloto da marinha mercante. Natural do Espírito Santo, residiu a maior parte de sua vida em Niterói, no Rio de Janeiro. Também desempenhou a função de radialista, apresentando, na Rádio MEC, o programa Poesia Viva. Trabalhou, com o poeta Thiago de Melo, na editora Hipocampo, na década de 1950, e escreveu a letra do hino oficial de Brasília, que foi musicado por Neusa França.
Em 1950, publicou poemas e contos no Diário Carioca e, após, estreou com o livro de poemas Rosa dos Rumos. Estão entre alguns de seus títulos publicados: Arquipélago (1952), Canto Claro e Poemas Anteriores (1957), que venceu, em 1955, o Prêmio Olavo Bilac. Publicou ainda outros livros de poesia, ensaios e traduções de diversos autores como Kafka, Rilke, Brecht, Walt Whitman e Herman Hesse.
Confira os poemas selecionados:
TAREFA
Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis…
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
POÉTICA
Eu quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
—rosa!
todos soubessem o que haviam de pensar.
Mais: quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
— já!
todos soubessem o que haviam de fazer.
INVENTÁRIO
Esta epiderme há muitos muitos anos
me cobre: guarda algumas cicatrizes,
outras não lembra mais, e até mistura
uns caminhos da infância a outros de agora.
As unhas não direi que são as mesmas
com que o seio nutriz terei vincado:
são mais duras, mais feias e mais sujas
— pois nem sempre de amor e entrega foi
o chão em que plantei, colhi nem sempre.
Se os dentes não gastei, gastei meus olhos
entrevendo paisagens, vendo coisas,
cegando-me ante sésamos de sombra.
A alma apanhou demais e vai pejada,
mas vão leves as mãos cheias de nada.
SONETO FABRIL
Parques, sim, mas parques industriais:
neles é que passeia o nosso amor,
em bairros pouco residenciais
onde ronrona a máquina a vapor.
Das chaminés das fábricas saem mais
nuvens (claras, escuras) de vapor
e de fumaça, com a cor das quais
o azul do céu muda-se noutra cor.
Pairando entre esse céu, assim mudado,
e a terra, onde prossegue a mesma vida
com seu esquema aceito mas errado,
detém-se o nosso olhar em bagatelas
— que de pequenas coisas é tecida
a glória de viver e achá-las belas.
TEMA SEM VARIAÇÃO
Sequer apago as passadas
deste meu vagar sozinho,
sozinho em tantas estradas:
triturador de caminhos,
move-me um remoinho
de frescas águas passadas.
A ÁRVORE
Ó árvore, quantos séculos levaste
a aprender a lição que hoje me dizes:
o equilíbrio, das flores às raízes,
sugerindo harmonia onde há contraste?
Como consegues evitar que uma haste
e outra se batam, pondo cicatrizes
inúteis sobre os membros infelizes?
Quando as folhas e os frutos comungaste?
Quantos séculos, árvore, de estudos
e experiências – que o vigor consomem
entre vigílias e cismares mudos –
demoraste aprendendo o teu exemplo,
no sossego da selva armada em templo,
E dize-me: há esperança para o Homem?
ALBA
Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
de leste – o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.
HAICAI
Vento da manhã
varre as folhas pelo chão
do dia que nasce.
Olhos de afogado:
são de ver coisas terríveis
no fundo do mar.
Fontes:
Enciclopédia Itaú Cultural
Antônio Miranda
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