Os 10 melhores poemas de Paul Celan

Paul Celan nasceu em Czernowitz (Bucovina, na Ruménia) em 1920, de pais judeo-alemães. Em 1940, Czernowitz é ocupada pelos soviéticos e no ano seguinte pelas tropas alemães e romenas. Em 1942, os seus pais são deportados para um campo de extermínio, onde morrem poucos meses depois. Apesar de ter conseguido escapar da morte naquele momento e ter sobrevivido ao Holocausto, Celan permaneceu preso, num campo de trabalho, até 1943, ano em que a Bucovina volta a ser tomada pelos soviéticos. Em 1945, parte para Bucareste onde se torna tradutor e leitor de uma editora e publica os seus primeiros poemas.
Paul Celan, enaltecido como um dos maiores poetas do pós guerra, carregou e registrou em sua obra a marca do terror nazista.

O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas do poeta:

Corona

Da mão o outono me come sua folha: somos amigos.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:  
o tempo retorna à casca.

No espelho é domingo,  
no sonho se dorme,  
a boca não mente.  

Meu olho desce ao sexo da amada:  
olhamo-nos,  
dizemo-nos o obscuro,  
amamo-nos como ópio e memória,  
dormimos como vinho nas conchas,  
como o mar no raio sangrento da lua.

Entrelaçados à janela, olham-nos da rua:  
já é tempo de saber!  
Tempo da pedra dispor-se a florescer,  
de um coração palpitar pelo inquieto,

É tempo do tempo ser.. É tempo.

(tradução: Flávio Klothe)

Fuga da Morte

Leite negro da aurora bebemo-lo ao anoitecer
bebemo-lo ao meio-dia e de manhã bebemo-lo à noite
bebemos e bebemos
cavamos uma sepultura nos ares aonde o espaço não falta
um homem vive em casa brinca com serpentes escreve
escreve quando a noite cai na Alemanha o teu cabelo de oiro Margarida
escreve e sai de casa e brilham as estrelas e chama os cães de caça aqui aqui
apita aos seus judeus venham cá cavem uma sepultura na terra
manda que toquemos para a dança

Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao anoitecer
bebemos e bebemos
um homem vive em casa brinca com serpentes escreve
escreve quando a noite cai na Alemanha o teu cabelo de oiro Margarida
o teu cabelo de cinza Sulamita cavamos uma sepultura nos ares aonde o espaço não falta
Ele grita cavem na terra bem fundo vocês aí vocês outros cantem e toquem
agarra no cano de aço à cinta e brande-o como são azuis os seus olhos
enterrem mais fundo a pá vocês aí vocês toquem para a dança

Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te ao meio-dia e de manhã bebemos-te ao anoitecer
bebemos e bebemos
um homem vive em casa o teu cabelo de oiro Margarida
o teu cabelo de cinza Sulamita ele brinca com serpentes

Grita toquem mais doce a Dança da Morte ela é um Senhor de Alemanha
grita toquem mais sombriamente os violinos depois hão-de subir em fumo nos ares
depois haveis de ter uma sepultura nas nuvens onde o espaço não falta

Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um Senhor de Alemanha
bebemos-te ao anoitecer e pela manhã bebemos e bebemos
a Morte é um Senhor de Alemanha como são azuis os seus olhos
há-de abater-te com uma chumbada abater-te com pontaria
um homem vive em casa o teu cabelo de oiro Margarida
açula contra nós os lebréus magros dá-nos sepultura nos ares
brinca com serpentes e sonha a morte é um Senhor de Alemanha
o teu cabelo de oiro Margarida
o teu cabelo de cinza Sulamita.

Salmo

Ninguém nos molda de novo da terra e do barro,
ninguém conjura o pó nosso.
Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.
Por amor a ti queremos
florescer.
Ao encontro
de ti.

Um nada
éramos, somos, seremos
ainda, a florescer:
a Rosa-de-Nada, a
Rosa-de-Ninguém.

Com
o almacândido cálamo,
o ermoceleste filamento,
a rubra coroa
do verbo purpúreo, que cantávamos
sobre, oh sobre
o espinho.

Matheus Guménin Barreto

Cristal

Não procura nos meus lábios tua boca,
não diante da porta o forasteiro,
não no olho a lágrima.

Sete noites acima caminha o vermelho ao vermelho,
sete corações abaixo bate a mão à porta,
sete rosas mais tarde rumoreja a fonte.

( tradução: Claudia Cavalcanti )

DO AZUL que ainda busca seu rosto, sou o primeiro a beber.
Vejo e bebo de teu rastro:
Deslizas pelos meus dedos, pérolas, e cresces!
Cresces como todos os esquecidos
Deslizas: o granizo negro da melancolia
Cai num lenço, todo branco pelo aceno de despedida.

( tradução: Claudia Cavalcanti )

Canção de uma Dona na Sombra

Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?
É alguém que carrega meus cabelos.
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano em
[que amei.
Carrega-os assim por vaidade.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E não diz o nome dela.
É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e noites.

E ganha.

E não perde.
E não aparece na janela.
E diz por último o nome dela.
É alguém que tem o que eu disse.
Carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.

E não ganha.
E perde.
E aparece na janela.
E diz primeiro o nome dela.

E é podado com as tulipas.

(tradução: Claudia Cavalcanti )

Estou Sozinho, Coloco a Flor de Cinza

no corpo cheio de negrume amadurecido.Boca de irmã,
tu dizes uma palavra que sobrevive diante das janelas,
e sem ruído trepa,o que eu sonhei,por mim acima.

Estou de pé na profusão das horas murchas
e poupo uma resina para um pássaro tardio:
ele traz o floco de neve nas penas vermelho-vivo;
com o grão de gelo no bico,atravessa o verão.

Distâncias

Olho no olho, no frio,
deixa-nos também começar assim:
juntos
deixa-nos respirar o véu
que nos esconde um do outro,
quando a noite se dispõe a medir
o que ainda falta chegar
de cada forma que ela toma
para cada forma
que ela a nós dois emprestou.

( tradução: Claudia Cavalcanti )

Errático

As noites se fixam
sob teu olho. As sílabas re-
colhidas pelos lábios — belo,
silencioso círculo —
ajudam a estrela rastejante
em seu centro. A pedra,
um dia perto da fronte, abre-se aqui:
ante todos os
espalhados
sóis, alma,
estavas, no éter.

( tradução: Claudia Cavalcanti )

Falar com os Becos sem Saída

Falar com os becos sem saída
sobre o de defronte
sobre sua
expatriada
significação – :
com dentes de escrever,
mastigar
esse pão

Vamos com uma a mais de bônus:

A Paul Eluard, In Memoriam

Lança na cova ao morto as palavras
que ele falava para viver.
Deita sua cabeça entre elas,
deixa-o sentir
as línguas da saudade,
as tenazes.
Lança nas pálpebras do morto a palavra
que ele recusou àquele
que o tratou por tu,
a palavra
na qual verteu o sangue de seu coração,
quando uma mão, tão nua quanto a dele,
atou aquele que o tratou por tu
nas árvores do futuro.
Lança-lhe esta palavra nas pálpebras:
talvez
penetre em seu olho, que ainda é azul,
um segundo, mais desconhecido azul,
e aquele que o tratou por tu
sonhe junto com ele: Nós

Fonte:
http://www.livroscotovia.pt/autores/detalhes.php?id=305
https://escamandro.wordpress.com/tag/paul-celan/
http://www.culturapara.art.br/opoema/paulcelan/paulcelan.html
https://www.escritas.org/pt/paul-celan
https://www.revistas.usp.br/clt/article/download/49340/53421/

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