Os 10 melhores poemas de Gilliard Santos

Descoberta do mundo. Talvez esta seja a grande chave da poesia, tanto para quem escreve, quanto para quem dela se apaixona. Esta parece, pelo menos, ser a trajetória de Gilliard Santos, poeta cearense que passou a vida entre Madalena, pequena cidade do sertão do Ceará e a capital Fortaleza. De escrita heterogênea, o professor, poeta e cordelista publicou recentemente seu primeiro livro chamado Introito Poético.

Para quem não sabe, “introito” significa começo, parte inicial, aquilo que está a iniciar. Assim, sua obra, enquanto introito poético pode ser vista quase como um espelho disso: uma espécie de retrato, de fotografia da passagem da vida do poeta através de suas poesias. Sua escrita possui um grande caráter de metamorfose e grande capacidade de transformar-se enquanto estilo de acordo com a temática poética que vai abordar. Esta é uma grande característica da poesia contemporânea: a forma não é adorno, mas parte da potência da própria escrita.

Gilliard, afirma em seu prefácio, que adentrar o seu livro é como adentrar uma caverna. Discordo, acredito que, ao ler suas poesias, pude fazer um pouco como Platão: sair da caverna, olhar o seu mundo de outra forma, percebê-lo na passagem do tempo e, assim, olhar também para o meu mundo, me ver refletido nele e, por fim, projetar aquilo que também faz parte de mim. Não sei, mas ao ler Gilliard falar sobre o ofício do poeta, sobre as desigualdades políticas, sobre a anatomia de nossos corpos e sobre todo e qualquer desencanto da vida, senti que o poeta não falava dele, mas um pouco de cada um de nós. E talvez seja essa a verdadeira descoberta do mundo. 

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Confira os 10 melhores poemas de Gilliard:

Marielle, presente!
A bala
Abala
Porém
A bala
Não cala
A fala
E nem
Encurrala…
O tiro
Covarde
Resvala
Propala
E embala
A luta
Que cresce
Aumenta
Não para!
Não para!!
Não para!!!
Tentaram calá-la
Mas não conseguiram
Ousaram matá-la
Mas eles não viram
Que uma ideia
Não morre tão fácil
E se multiplica
Transcende, transpassa…
Não viram que ela
Era uma semente…
Marielle,
Presente!
Presente!!
Presente!!! 

Soneto de esperança

Ao embalo dos cantos matinais
De uma orquestra bastante animada
Eu levanto e escuto a passarada
Que executa seus belos rituais.

Logo após uma chuva tão pesada
Olho as grotas em rotas casuais
Que espalham os fluidos pluviais
De maneira tranquila e ordenada.

E enquanto o sol vence a frieza
Eu observo, em cada direção
Os notáveis sinais da natureza.

O lençol verde da vegetação
Resultado das chuvas, traz beleza
E também esperança ao sertão.

Ofício de poeta

Definitivamente, não escrevo!
Antes, derramo a tinta sobre o papel.
E nesse eterno descompasso
Vou tentando transmitir alguma emoção.
Mas para ficar mais simples
Na arte de tentar uma definição
Eu poderia dizer que redijo algumas vezes.
Entretanto, não sei… Não sei…
No mais das vezes sou ininteligível.
Ninguém entende e ninguém procura entender…
Bem sei que, em se tratando de poesia,
Muitas vezes a maior beleza não está no visível,
Não está na clareza da mensagem, mas, justamente,
Na curiosidade e na desconfiança do que se lê.

Neste ofício não sei bem o que é demasiado nobre
E o que é, decerto, tão sem-valor.
É que não vi tal padrão,
Não estudei a ciência de ser igual…
No mais, gosto de ficar pensando:
… Penso
Existo…
Desisto…

O artista das emoções

Um poeta é como um artista!
É como um ator que dá vida a muitos personagens.
Como tal, muitas vezes tem que se expor.
Às vezes é preciso despir-se
Para chegar aos mais profundos sentimentos.

Um poeta é como um caçador!
Que arma uma arapuca no meio do mato
Em meio a tantas incertezas…
Uma armadilha para capturar
As emoções mais arredias e ardilosas.

Um poeta é como uma criança!
Que fala o que sente, sem filtros, sem preconceitos,
Sem se importar com o que os outros vão pensar,
Mas que muitas vezes muda de ideia abruptamente
Por pura birra.

Um poeta é como um fotógrafo!
O que fizerem posteriormente com suas fotografias
Não lhe interessa tanto.
E o resultado da imagem nem sempre agrada,
Mas ele o faz simplesmente pelo ato de fazê-lo.

Escrever é um processo de autoconhecimento,
Uma espécie de caminhada descomprometida,
E o artista das emoções se aventura
Por caminhos de versos…
A chegada é o que menos importa!
Do tempo
O tempo ruge
O tempo urge
O tempo cura
Quase todos os males
O tempo passa
Como vendaval
Devastando tudo pela frente
Derrubando os cabelos da fronte
E depois que vai embora
Não quer saber de conversa
E deixa tantas pessoas
Chorando o tempo perdido
O tempo passa
E deixa lembranças
E aprendizado
E uma vida toda para trás

Na noite metropolitana

O vento sopra
Tentando afastar o perigo
Tantos sem-teto, sem dignidade
Sem qualquer-coisa essencial
Mas essa é só uma paisagem normal
Só mais um dia da semana
Mais uma foto mal tirada
Sem ângulo, luz ou compaixão
Só um impasse qualquer
Na noite metropolitana…

Uma criança na esquina
De colher e prato na mão
Um prato cheio para o crime
E para a prostituição
Deixa pra lá esses detalhes
Continuemos a viagem
Não podemos atrasar
Isso já é tão normal!
Só um impasse qualquer
Na noite metropolitana…

Poema cotidiano

Ando pela cidade…
E vejo um arranha-céu de tantos andares
Um hotel luxuoso
Mas a alguns metros uma mulher dorme
Ao pé do muro…

Eu olho e vejo algumas pessoas sem pressa na praça
Mas na rua uma multidão sem graça
Corre para chegar a lugar nenhum…
Vejo tanta poluição visual, tantas placas e outdoors,
E tudo isso deixa um vazio tão grande
Que chega a ser poético
Ou, quem sabe, patético…

Uma linda menina passa
E joga lixo no chão (que coisa feia!)
Uma sacola branca e vazia voa
Aleatória e lentamente pelo ar,
Por sobre os telhados, a esmo,
Despreocupada como o poeta das coisas simples
Andarilho dos becos e ruelas da vida…
Uma árvore violentada pelo concreto
Resiste em meio à selva de pedra,
Uma beleza que ninguém apreciou,
E que ficou esquecida…

O mar abraça a pólis…
E no cenário mais contrastes…
De um lado, outro hotel e alguns traços da nobreza
Do outro, alguns barracos e os retratos da pobreza
Talvez a vista para o mar possa alegrar os turistas,
Mas algo parece não estar certo!

Um pouco acima, no céu, ralas nuvens brancas,
Mas tanta fumaça sobe dos escapamentos…
… Não há quem escape dessa poluição.
Há muita coisa suja por trás!

Mais à frente, um belo mural de grafite
Ao lado de uma parede pichada…
Eu vejo os rabiscos da cidade
E vejo os riscos também
Uma criança que chora, uma senhora que ri…
…Às vezes o contrário…
Vejo alguns jovens perdendo a vida
E outros tentando ganhá-la.
Isso tudo está posto no cotidiano
Isso e tantas outras coisas…
Coisas que talvez não coubessem no poema,
Como diria o poeta.

Tudo isso está ao alcance dos olhos
De quem se propõe a enxergar
E em meio a toda a rotina, no cotidiano,
Eu vejo tudo isso, e quem sabe um pouco mais
Eu vejo a dura realidade
E… Em qualquer parte… Arte!

Há tanta coisa por trás
Há tantas coisas desumanas,
Há tantas coisas normais,
E… Há tantas coisas desumanas
Passando a ser normais.
Há tantas injustiças à nossa frente
E quase ninguém as vê.
Será que isso é de propósito?
Eu não consigo entender.
A fome se alastra pelo país
E a fama da violência vai aumentando,
Mas tem muita gente aplaudindo, feliz,
A vitória do Brasil no estádio.
Alta noite
Por tantas vezes paro, quase sem perceber,
E me deparo com algo tão estranho…
A noite e suas consequências
Imprimem uma marca tão forte,
Seus gritos, em muda sinfonia,
Fazem-me chorar, de forma tão imperceptível.
O silêncio sugere uma profunda reflexão
A cidade dorme e a calmaria me puxa para tão próximo de mim
As pseudofelicidades de tanta gente não me causam inveja.
Eu sonho tanto e a cada dia me decepciono mais
Com este mundo… Tão real…

E, como de brinde, deixemos dois poemas a mais!

Aulas de anatomia
A carne fria na mesa
Espera o momento certo
E o brilho de um bisturi
Chama tanto a atenção
A luz acesa — tão clara
Faz reluzir — tão brilhante
O material — tão nobre
De que é feito o bisturi
O corpo que oferece
A última serventia
Causa menos emoção
Que um mero bisturi
Meu desencanto
Vou caminhando pela cidade
Numa tristeza quase exata
Sinto-me sozinho, perdido na multidão,
Em meio a tantas pessoas semiperfeitas
Olho ao meu redor, em todas as direções,
Observo a hostilidade… Da cidade
Permaneço calado, olhando
Vou parando, observando…
Sento-me no banco da praça
Observo aquela diversidade de pessoas
Um turbilhão de pensamentos me invade
E vem povoar minha cabeça
Penso. Paro. Viajo. Volto. Penso… Choro!
Mas não se trata desses prantos convencionais.
Meu pranto é tímido, sem que ninguém perceba,
Em vez de olhos mareados, papel e caneta,
Em vez de lágrimas, tinta…
Ainda não faço versos como quem morre…
– Quem me dera!
Mas, na vida, aprendi a fazê-los como quem chora…
Sobre o poeta:
Gilliard Santos da Silva nasceu em 1988 e viveu a infância e juventude no sertão de Madalena-CE. Em 2006 mudou-se para Fortaleza-CE para estudar e morou por cinco anos na Casa do Estudante do Ceará – CEC. Formou-se em Administração (Estácio) em 2010 e hoje cursa mestrado em Administração e Controladoria (UFC). Professor, Poeta e cordelista, o autor escreve desde a adolescência e publicou o primeiro livro no final de 2018, uma seleção de poemas intitulada Introito Poético.

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