“Horror Oriental”: A nova coletânea com contos populares fantásticos e sobrenaturais de China, Japão e Coréia

Título: Horror Oriental – Contos Populares Fantásticos e Sobrenaturais
Autores: Koizumi Yakumo, Pu Songling, Gan Bao, Im Bang
Organização: Lua Bueno Cyríaco
Tradução: Paulo Soriano e Lua Bueno Cyríaco
Editora: Bururu Editorial
Ano: 2018

Toda obra literária é, sem dúvida, uma força feroz da natureza. Por mais que isto seja batido e debatido é sempre gratificante e assustador estar diante de um livro e ser posto diante desta mesma sensação. Desta vez, isto veio com a grata surpresa do novíssimo selo Bururu Editorial e sua nova coleção de Horror Oriental, uma obra que, sem dúvida, desloca e complementa a nossa ideia do gênero do mistério, do fantástico e do sobrenatural na literatura. No Ocidente, temos nossa tradição que, anacronicamente poderíamos incluir os monstros de criação de Homero – que embora escreve suas obras épicas, ainda assim já carregavam algo dos mistérios no pensamento mítico que esbarrava no terror, passando pela Divina Comédia, de Dante, com sua espécie de via crucis pelo horror do inferno cristão, chegando até o gênero do terror propriamente dito com Stevenson, de O Médico e o Monstro, Henry James e a misteriosa A Outra Volta do Parafuso e os grandes mestres do gênero como Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft.

O mais interessante, neste primeiro contato com o humor oriental, foi ver como esta temática, ao mesmo tempo, se aproxima e se afasta da nossa tradição ocidental. Como, de certa forma, ela pode ser referência e inspiração, mas também, um contratempo essencial para aprofundamento do estudo e da análise do gênero. Mas, deixemos do contato com a tradição e vamos à obra especificamente.




Horror Oriental – Contos Populares Fantásticos e Sobrenaturais é uma coletânea de contos do que se cunhou chamar “horror” ou “terror”, quase sempre com temáticas sobrenaturais, de grandes mistérios da vida e da morte, incluindo o além vida e o além morte. A obra, organizada por Lua Bueno Cyríaco e traduzida pela própria e por Paulo Soriano, é uma espécie de breve apanhado do gênero passando por China, Coreia e Japão e possui contos que datam de do terceiro século d.C. até a primeira metade do século XX. Alguns de seus escritores são: Gan Bao (205

– 266), Koizumi Yakumo (1850 – 1904, Pu Songling (1640 – 1715), Im Bang (1640 – 1722 ). Além disso, o livro conta ainda com uma breve apresentação de Lua em que ela explica os critérios de escolha dos contos, assim como de contextualização da obra e sua trajetória na feitura do livro.

Logo de cara, a primeira coisa que me chamou a atenção – o que também foi citado por Lua – foi uma leve aproximação, um roçar com a obra árabe clássica das Mil e Uma Noites, inclusive com contos com formatos similares às histórias de Sherazade em que um narrador se apresenta como tal e conta uma história para alguém. Apenas para dar exemplo, temos o conto Espírito da Montanha, que se inicia assim: “Eis o que Sun Taibai me contou”, ou então o conto Dez Mil Demônios, que se finda assim: “Os filhos do príncipe Han ouviram essa história e eu, o escritor, recebi deles”. Algum leitor mais atento poderia dizer: “Mas este é exatamente o formato dos contos de gabinete do século XVIII e começo do século XIX”. Pois sim, neles há também alguém que conta a história, mas não alguém cujo corpo se mobiliza em direção à história, uma experiência física que coloca estas histórias no interior de uma tradição viva e convulsa e não apenas em uma contação exótica de alguém que se ouviu em algum canto. A diferença é que na cultura oriental a experiência da história deve ser passada e não apenas ser relatada, traduzida.

Isto, de certa forma, me respondeu a primeira dúvida que a obra me colocou: trata-se de uma obra de “horror oriental”, mas elas eram assim tratadas por lá? O termo “horror oriental” é utilizado por lá? Ou eram contos populares que não tinham essa designação? Haveria uma espécie de catalogação temática ou, de alguma maneira, estes contos sempre estiveram conectados? A própria tradição responde: o mais sensacional desta obra é reunir conhecimentos espalhados entre os povos e histórias que eram contadas e recontadas pela própria tradição local, seja por viajantes ou moradores das localidades.

O mais interessante da obra, no entanto, está contido nas próprias histórias e suas características que nos permite ver a fundo como esses contos se produziam e se mantinham vivos na cultura local Algumas destas características, seja nos contos de China, Coreia ou Japão, são: a presença constante de mulheres misteriosas, geralmente pálidas, vistas como seres sobrenaturais donas de muito poder e detentora de segredos; o fato de muitas histórias serem margeadas por figuras viajantes, que atravessam territórios e sempre “viram” ou “ouviram falar” de um caso, o que, de alguma maneira, traz um afastamento da narrativa da terra em que ela é ouvida; a presença constante de seres metamorfoseados ou metamorfoseantes, ou seja, que possuem uma forma física cambiante; seres que, como espécies de vampiros locais, se alimentam do sangue e até do corpo de pessoas vivas; e, claro, de figuras que se reduplicam em outras com a mesma forma delas.

Não se pode deixar de destacar, por fim, o caprichoso projeto de diagramação de Horror Oriental que inclui mais de 20 xilogravuras locais datadas entre o século XVII e XIX que, por sua característica, possuem o nome de ukiyo-e de origem japonesa. Estas belíssimas ilustrações, como dito no livro, foram também inspirações para pintores ocidentais como Van Gogh, Toulouse-Lautrec, entre outros.




Recomendo Horror Oriental – Contos Populares Fantásticos e Sobrenaturais não só para os amantes de literatura de terror, mas também para os curiosos da arte literária que se fez e se faz ao redor do mundo. Trata-se de um livro breve, que pode ser lido em duas tardes, e com histórias que cativam ao mesmo tempo que impressionam, mas que também revelam muito de uma cultura e de um tempo. No interior delas, estamos diante, simultaneamente, de um testemunho de um povo e de uma história que nos diverte. Um livro cuidadoso e que merece se perpetuar no tempo.

Para conhecer mais sobre a editora, acesse o site: http://editorabururu.laboralivros.com/



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