Se existe uma área do conhecimento humano que possui natureza transcendental, esta área é a da música e da literatura. A nobre importância que estas duas oníricas expressões humanas possuem, transcende os milênios. Tanto é prova disto que os imortais que conhecemos, em sua ampla maioria, possuem vital relação com estas expressões artístico-culturais. No entanto, sejamos justos ao não minimizar outras manifestações sublimes, como a escultura e a pintura, por exemplo. Todavia, ressaltemos o que a Humanidade produziu de melhor; afinal, nada pode ser mais prazeroso do que o alimento espiritual efetuado através do deleite musical ou literário.
Os grandes compositores, maestros e escritores que nos legaram uma infindável sabedoria ao longo dos séculos são, e sempre o serão, fonte de inimaginável sabedoria. Se as expressões artísticas assumiram contornos distintos ao longo da História, retratando uma enorme diversidade de áreas (do clássico ao simbólico), não é por acaso que encontrar-se-á nelas uma vívida razão para diversas apoteoses. Ao entregarmo-nos à literatura, um leque indescritível de mundos e possibilidades se abre fulgurantemente. Ao ler uma boa obra, geralmente clássica, nos deparamos com várias áreas do saber humano. Eis aqui uma razão para o fomento, em família mais do que na escola, da leitura.
O magnânimo crescimento espiritual e cultural é basilar para o progresso. Neste caso, trata-se de uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que a literatura influencia o indivíduo, faz deste um novo incentivador sociocultural. A dedicação de um verdadeiro escritor supera em muito os limites da compreensão comum, o que exige do leitor uma invariável e prazerosíssima busca pelo conhecimento. O fascínio é tal que nos faz perceber a nossa efemeridade existencial.
Por exemplo, é lendo Tolstói, que chegamos a Beethoven, por meio de uma esplendorosa sonata. É lendo Dostoiévski que chaga-se a Victor Hugo. É em Poe que encontraremos o renascimento e o âmago da alma humana. E é em Aloísio de Azevedo, Lima Barreto, Maquiavel e Zola que encontraremos a política e a sociedade, nua e crua. O idílico também fora deveras a preocupação de Bach, de Mozart, Liszt… Cada qual acrescentando às suas composições uma percepção de mundo. Não se trata apenas de dedicar-se ao exacerbado formalismo, ou de dispor da alta capacita analítica de Holmes ou Dupin, mas de compreender o potencial inimaginável contido nestas composições musicais e literárias.
É possível que este etéreo cenário seja um lócus propício à epifania, mas ao mesmo tempo inconcebível (até mesmo pela alta complexidade que lhe é característica), às camadas populares. Não seria novidade dizermos que estes Campos Elíseos dos vivos é algo para poucos, desconhecido de muitos; mas certamente é o habitus das classes sociais mais favorecidas, como fora magistralmente descrito por Bourdieu. Não obstante a complexa nobreza de espírito contida nestas expressões artísticas, o seu alcance somente será pleno quando não houver barreiras socioculturais para sua devida apreciação. A música e a literatura contribuem para com a fraternidade universal, sendo antes inclusivas do que exclusivas, ao mesmo passo em que representam a comunhão pacífica e universal de todos os povos.
É justamente neste sentido que, além do deleite pessoal, estas excelsas áreas do conhecimento humano podem ser uma excelente fonte (direta ou alternativa), para promover a democratização do saber e fomentar uma educação mais inclusiva, profunda e abrangente. No entanto, é deveras consensual que o apreço nasce em cada um de formas distintas, não podendo ser igualado. Imaginemos: como seria a compreensão da realidade atual sob as ópticas de Hesse ou de Saramago, ao som de Schubert ou Offenbach? E porque não estudar o Brasil, também, por meio de Carlos Gomes, Villa-Lobos, Castro Alves ou Machado de Assis?
Ressalte-se que não há menosprezo por outras produções internas a esta temática, como as demais variantes musicais ou literárias (especialmente as atuais); entretanto, uma distinção é necessária. Não podemos comparar um clássico da literatura com a atual produção de estilo “autoajuda”, bem como negligenciar o sublime da composição ao equipará-la com alguns singelos e massificados ritmos atualmente em voga. É, neste caso, uma pura questão de gosto (induzido, pode ser, mas mesmo assim pessoal). Aprende-se amiúde a venerar e a deleitar-se com a música e a literatura; o caminho é um aprendizado, um constante e edificante aprendizado. Exige certa seriedade e comprometimento, isto é fato, mas o ganho não consiste no produto final, e sim no próprio processo de aprendizagem.
Não entrarei no mérito da publicidade dos ganhos, pois estes têm de ser algo inato, uma pura consequência daquilo que queremos; além de que deve-se buscar o bom para si, não o bonito para os demais. Ademais, o homem é deveras reflexo daquilo que busca para si. Em nossa simplicidade, ao não compreendermos a dignidade exacerbada contida nestas áreas, pelo menos sejamos humildes, pois é algo inexoravelmente necessário, justamente para manter um cândido respeito aos colossais imortais.
Se conseguirmos disseminar a curiosidade em conhecer estes titãs, já estamos lhes honrando e, certamente, contribuindo para uma sociedade melhor. Afinal, cada qual carrega consigo uma responsabilidade sociopolítica inata; basta-nos realçá-la, por exemplo, por meio destas anímicas manifestações artístico-culturais. Como disse Carlos Drummond de Andrade “Eu preparo uma canção/que faça acordar os homens/e adormecer as crianças”.
PARA OUVIR:
Ludwig van Beethoven, Sonata para Kreutzer, de Beethoven:
Heitor Villa-Lobos, Suíte popular brasileira:
Louis M. Gottschalk, Marcha Solene Brasileira:
(Esta composição fora apresentada à Família Real do Brasil, no evento alusivo à comemoração da Vitória sobre a Guerra do Paraguai, em 1870). Também é do mesmo compositor a famosa obra intitulada “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro”, encontrada no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=peY8AF3I-KU
IMAGENS:
Imagem 1:
Kreutzer Sonata, de René F. X. Prinet, 1901. Esta pintura foi baseada na novela de Liev Tolstói, cujo nome é A Sonata a Kreutzer. Tolstói, por sua vez, inspirou-se para escrever este clássico da literatura russa ao apreciar, em sua própria casa, uma apresentação da Kreutzer Sonata, cujo compositor é Ludwig van Beethoven. Dizem que Tolstói ficou fascinado com a perfeição e o arranjo musical desta sonata.
Imagem 2:
Franz Liszt fantasiando ao Piano, de Josef Danhauser, 1840. Esta pintura magistralmente condensa, em um encontro imaginário, grandes nomes da Humanidade. Sobre o piano, por exemplo, há um busto de Beethoven, seguido de um quadro com lord Byron e, do lado esquerdo, uma estátua de Joana d’Arc. Sentado ao piano, está Liszt e, da esquerda para a direita, de pé, encontram-se Victor Hugo, Paganini e Rossini; sentado, na mesma ordem, observa-se Dumas (pai), Sand e Maria d’Agoult.
Marconi Severo – Cientista Social & Político
Marconi Severo: Bacharel em Ciências Sociais – Ciência Política e, atualmente, mestrando em Políticas Públicas. Grande apreciador dos clássicos literários e da boa música. E, sempre que possível, um diligente contribuinte literário e assíduo leitor.
Contato: marconisevero@hotmail.com ou https://www.facebook.com/marconi.severo.
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