Eliane Reis é escritora e nasceu em Novo Horizonte. É graduada em Letras e Pedagogia e Especialista em Língua Portuguesa e Produção Textual. A palavra sempre esteve em seu mundo, tanto para revelar um eu secreto quanto para compor um eu coletivo. Escrever, como ela própria diz, é um “rito litúrgico” e, por isso, não pode ser deixado de lado. Em 2017, ela lança pela NotaTerapia Editora seu livro Quando Fui Eu.
Quando Fui Eu é uma coletânea de poesias escritas ao longo da vida da autora. Trata-se de um livro para os inquietos, um livro em que a poesia ultrapassa sua função literária e metafórica. A ideia de desvirginar as linhas de um papel qualquer, é a mesma da autorreflexão, da busca incessante pelo eu que, muitas vezes, anda solto ao acaso. “Assim, enquanto dançam: a pena, o verso e a vida, sinto a canção que ecoa no meu inquieto coração.Eis a razão: o motivo do verso!”
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O NotaTerapia fez uma incrível entrevista com a autora. Confira:
NotaTerapia – Em poucas linhas, o que é o seu livro Quando Fui Eu?
Eliane Reis – Quando Fui Eu é uma coletânea de poemas que traz em seu cerne diversos temas distribuídos em versos, relativamente, acessíveis. Trata-se de um livro do autor para o leitor, ou seja, é bem possível que, ao ler Quando Fui Eu, o leitor encontre-se ali também.
Quando você começou a escrever e quais as motivações que te levaram a escrever seu livro?
Escrevo há algum tempo já, todavia nem sempre gosto daquilo que escrevo. Faço isso desde 2005, muitos escritos ficaram perdidos em cadernos antigos ou foram rasgados. A escrita tende a amadurecer, ela renasce dela mesma. Preciso escrever com a mesma intensidade que preciso me alimentar, sinto uma fraqueza espiritual quando não o faço. A escrita é para mim uma espécie de ritual litúrgico, por essa razão escrevo sempre (é uma questão de sobrevivência).
Qual você acha que é e deveria ser o papel da literatura e das artes no mundo de hoje?
Desde sempre até sempre a literatura teve e terá papel crucial na vida do homem, é uma das formas de autoconhecimento e conhecimento daquilo que nos torna únicos e, simultaneamente, iguais. Além do caráter utilitário (conhecimento), a literatura é o mecanismo mais eficiente para a maturação e evolução da língua que a sociedade poderia dispor. A literatura nunca foi tão imprescindível como é hoje, ainda mais com tantas opiniões veiculadas de forma rápida pela mídia. Assim como a literatura, outras formas de manifestações artísticas são de suma relevância no mundo contemporâneo, o indivíduo sem arte, não passa de um esboço em processo.
Quais os (as) escritores (as) que te marcaram e influenciaram tanto na vida quanto na feitura de Quando Fui Eu?
Sou devota confessa de Clarice Lispector, Machado de Assis e Fernando Pessoa, eles sempre me influenciaram no processo de construção textual; além deles sou apaixonada pela poesia de Mário Quintana, Drummond e Manoel de Barros, Elizabeth Bishop, Florbela Espanca e Álvares de Azevedo. Leio muito os contemporâneos Sérgio Vaz, Martha Medeiros e Carpinejar. Muito do que há no livro decorreu do meu encontro “quase pessoal” com Clarice, que com sua prosa encharcada de poesia sempre me instigou e outro encontro, “às escondidas”, com Pessoa, que em seu processo singular da construção poética seduziu-me.
Uma característica bastante interessante dos seus poemas é o esforço, a tentativa de encontrar na minúcia da palavra a minúcia do sentimento. É comum, por exemplo, como no poema O Motivo do Verso, uma tentativa de serialização sobre os motivos que te fazem escrever. A impressão é que, apenas na palavra, algo possa ser descoberto. O que você já aprendeu com a palavra?
De fato, a busca pelo significado guardado na minúcia é uma constante em meus versos, sei que nesse universo ínfimo e denso existe uma batalha constante entre a palavra e o sentimento. As palavras não são passíveis (nem devem ser) de definição, elas extrapolam o seu próprio limiar, quiçá o nosso. A palavra me ensinou, entre tantas outras coisas, que o poema deve perturbar, emaranhar as ideias do leitor e do próprio autor – ainda que ele conheça algumas de suas próprias intenções. Nem sempre o Motivo do Verso é o que parece, eis aí a beleza da palavra. A palavra me ensinou a não querer decifrá-la.
Na minha leitura do seu livro (porque eu sempre leio de forma estranha), encontrei uma coisa que me fascinou e que, provavelmente, você possa não ter percebido: uma íntima capacidade de conversar com o estilo japonês dos HaiKais. Encontrei alguns finais de poemas que me fascinaram, como por exemplo em Autorretrato ( É o reflexo da minha história / Que se transferiu da memória / Para aquilo que o espelho mostra), ou Agonia (Eu? O que fiz eu? / Ora, ainda estou na estação do metrô, Talvez haja outro abismo para o corpo). Como você vê essa concentração de força do poema que, ao fim, recai em uma intensa síntese de pensamento?
A estranheza da sua leitura está presente na minha escrita, provocar o leitor com a síntese é uma maneira de tocar seu recôndito. A poesia renasce nessa estranheza de ler e escrever; a palavra torna-se o contraponto do caos e surge a partir de uma nova perspectiva emocional e conceitual. A ideia da poesia, em geral, sempre foi criar um nó na cabeça de um bom apreciador. Acredito que a cada final dos meus poemas há sempre uma pergunta ou afirmação que vai além dos limites físicos do cotidiano e traz, à tona, a ideologia de ser você mesmo. Há dentro de todos nós uma força de pensamento individual que ao visualizar uma arte entra em confronto com ela, materializando tal pensamento. Como, por exemplo, a constante disputa entre a alma exterior e interior fortemente citada no conto “O Espelho”, de Machado de Assis.
Levando a sua pergunta do título do livro ao limite do abismo (talvez nietzschiano): Quando você foi você?
Nietzsche dizia que ao olhar, demoradamente, para dentro de um abismo, a visão prolongada provocaria um efeito em si mesmo que equivaleria a ter o próprio abismo consigo, ou seja, ao projetarmos, por um longo período de tempo, uma ideia ou uma reflexão, ela se tornaria parte homogênea de nós. Na verdade o limite do abismo depende muito do quanto você está disposto a olhar para ele, do quanto você está disposto a se submeter à vertigem provocada pela inexatidão. Sendo assim, só é possível o confronto da personalidade de cada indivíduo com seus próprios abismos mediante essa disposição. Eu fui eu a partir do instante em que passei a olhar para mim e irradiar o meu ser em cada singular detalhe que por mim era feito ou desfeito, quando, em síntese, fui capaz de olhar para o meu abismo e aceitá-lo como coisa minha.