“Sou livro sem letra”: Regilda Pereira, a poetisa que foi à escola pela primeira vez aos 86 anos

Regilda Pereira Simões da Silva tem 87 anos. Ela é poetisa. Ela foi à escola pela primeira vez aos 86 anos. Quando criança, era proibida de estudar, por isso aprendeu a ler e escrever escondida, assistindo as aulas dos irmãos do lado de fora da sala – corria para longe antes da aula acabar para não ser vista.

Este ano, em uma escola de Caruaru, no Agreste de Pernambuco, Regilda leu poesias para os alunos e ficou emocionada com os aplausos. “Estou vivendo na velhice o que não vivi na minha infância”, ela disse. Seus versos falam sobre sua história, sobre o que chama de ser “livro sem letra”:

Eu sou um livro sem letra
Eu sou um jardim sem flor
Sou remédio sem receita
Um colorido sem cor.

Ela teve ajuda dos irmãos, que a ensinavam o que aprendiam na escola. Na época, meninas não podiam estudar, então ela foi privada do acesso ao estudo formal. “‘Para que mulher aprender a ler?’ Era o que diziam para mim e para todas”, relembra. Regilda treinava a escrita com cartas que recebia de uma amiga do Rio de Janeiro: “Eu pegava um lápis, naquela época era uma pena, molhava na tinta e todo o papel que via, eu ia cobrir as letrinhas”. Também decorava histórias rimadas de cordéis.

Regilda criou 5 filhos, trabalhando na roça e com carvão. Prefere falar pouco destas lembranças, que diz serem muito difíceis de lembrar. As dificuldades da vida a levaram a escrever um diário: “Falei no diário que queria não ter nem nascido, que queria ter nascido morta, que queria ter sido um aborto. Como pode a pessoa nascer e ter uma vida sacrificada como a que eu tive?”. Quando encontraram o diário, seus filhos esconderam o registro.

Conforme conta, os poemas simplesmente surgem: “Um dia cheguei em casa, sentei e comecei a escrever. Desse negócio de poesia, já comecei adulta”. Regilda escreve sobre o filho, paralítico há 17 anos, e sobre “tudo que toque o coração”. Nem sempre termina o que começou a escrever. Os manuscritos ficam guardados, soltos, em uma caixa: “Começo e deixo para lá. Não sei por que, só sei que algumas eu não quero terminar. Mas, muitas que tenho feito, falam das coisas da vida ao meu redor. Eu aprendi a ler mais nos olhos das pessoas, vendo o caráter, do que nos livros. O meu colégio é o mundo, a natureza”.

A história de Regilda é inspiradora… Confira alguns trechos de seus poemas:

Eu não sei se vou pra lua
Lá é um cárcere privado
Só são dois que chegaram lá
E ficaram encarcerados.

Dizem que tem sete luas
Só quatro se fazem presentes
Lua cheia, Lua Nova,
Lua Minguante e Lua Crescente
Escolhe pra ir à Lua
Pessoa eficiente
Quando a Lua se esconde
Onde fica tanta gente?

Eu sou um dia sem sol
Sou a noite de luar
Sem ter ninguém ao redor
tenho uma estrela a brilha

Fonte: http://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2016/04/sou-livro-sem-letra-diz-poetisa-de-87-anos-ao-entrar-pela-1-vez-em-escola.html
 

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