Autora: Jane Austen
Editora: Zahar, 2016
Tradução: Fernanda Abreu
Páginas: 367
Os homens tiveram todas as vantagens em relação a nós no que diz respeito a contar sua versão da história. (…) a pena sempre esteve em sua mão. Não vou aceitar nenhuma prova tirada dos livros.
Jane Austen
As convenções sociais, quando apresentadas por uma mente capaz de esmiuçar todos suas amarras e maquinações, acabam por ser vistas naquilo que elas têm de mais frágil: a sua composição baseada nos vícios, vaidades e defeitos desta sociedade. É possível, inclusive, com um pouco de espaço e tempo das negociações do dia-a-dia perceber como os movimentos, muitas vezes, não existem e o que se pode notar é uma eterno jogo do mesmo, um ciclo de pequenas manifestações públicas que visam a manutenção de todo o padrão desta sociedade. É aí que o papel da mulher e, principalmente, de uma mulher como Jane Austen, é essencial. E é nisto que sua literatura prima.
Persuasão conta a história de Anne Elliot, uma mulher de 27 anos, solteira, vinda de uma família aristocrática em plena decadência, mas que deseja, acima de tudo, manter seu status. Seu pai, Sir Walter e sua irmã Elizabeth, assim como sua irmã Mary vivem em um mundo de convenções sociais em que é preciso, antes de tudo, manter o que se tem para, em um segundo momento, conseguir um pouco mais.
A obra é a última escrita por Jane Austen, em 1815, logo após ter terminado Emma e, inclusive, sua primeira versão já foi concluída quando doente. Sua personagem principal nesta obra é, logo de cara, mais subversiva que as demais: Anne é uma mulher sensível e inteligente. A única, pelo menos em grande parte da obra, capaz de perceber os jogos que estavam por trás daquela sociedade. Assim, ao invés de sofrer – embora sofra – aquilo que seu papel social e familiar tenham colocado, constantemente sendo vista pelas irmãs e pelo pai como auge a quem não se deve gastar muita atenção, ela se torna um ser capaz de, uma vez absorvidas as regras locais, subverte-las de modo a viver da maneira que gostaria.
O mais interessante disso é que Anne não busca romper com os padrões, não busca sequer um gesto contra aquela sociedade. Sua busca, parece, é por direitos, por um espaço em que sua voz e suas atitudes possam ser livres, borrando assim os limites destas mesmas convenções sociais que prendem a todos.
Persuasão, apesar de parecer uma obra sobre um casal apaixonado que se reencontra depois de oito anos, acaba por ser mais: é o relato de uma engenharia de uma sociedade que só aparece em suas fragilidades, desde o casamento, as amizades, as reuniões e os encontros sociais, não sem levar em conta uma série de reflexões em relação ao que poderia ou seria uma vida feliz:
Anne se perguntou se agora lhe ocorreria questionar a propriedade de sua opinião anterior com relação a felicidade e a vantagem universal da firmeza de caráter, ou se talvez ele não pensasse que, assim como todas as outras virtudes da mente, esta precisasse ter a sua proporção e os seus limites. Em sua opinião, era quase impossível ele não perceber que um temperamento maleável podia às vezes favorecer tanto a felicidade quanto um caráter muito decidido.
Ao contrário do que se costuma dizer, quando Anne abandona anos antes, o noivado com Wentworth, por opinião de sua confidente Lady Russell, não se trata de “ação racional” ou um “abandono da sua própria felicidade”, mas justamente o ponto chave em que é possível, perdendo refletir sobre o que poderia vir a ganhar de liberdade no futuro. E nisto consiste a chave da grandeza de obra de Austen: desmontando uma dualidade entre felicidade e tristeza, ela nos conta que escolhas ruins podem se tornar boas e vice versa ou, até, que a vida consegue solucionar os próprios erros que cometemos. Enfim, as versões e interpretações podem ser variadas e variáveis, mas nenhuma delas é simples e de resposta óbvia.
O feliz encontro – embora esperado – ao final de Persuasão é quase melancólico. Como se todas as questões se desfizessem na composição do amor se transformando novamente em convenção. No entanto, uma alegria, mesmo que saudosa, longínqua perpassa a narrativa. Jane Austen, pela inteligência, não consegue celebrar seu próprio final, mas entende que ele é adequado, pelo menos para o seu tempo. Outros finais diferentes em outros tempos virão.