As 14 melhores citações de Nas Tuas Mãos, de Inês Pedrosa

Este livro foi lançado em 1997. As citações deste post são da edição de 2011 da Editora Alfaguara.
Não sei fingir que amo pouco quando em mim ama tudo. (Virgílio  Ferreira)

Nesses anos em que o amor todo se concentrava na feroz atração dos corpos, podia-se viver uma vida só do sabor de uns lábios. Eu, pelo menos, vivi. (p. 16)

 

Tudo o que há para saber do amor é deslumbrada aceitação. Não se aprende a amar, Camila; não há vontade democrática capaz de espalhar a paixão pelas bolsas de pobreza onde ela não chega, nem fábricas capazes de a produzir em peças, para montagem, construção ou exportação. Não há nada de justo nesse sentimento: a justiça, aliás, não passa de um espetáculo de ordenação do mundo, um circo que inventámos para substituir a irracional lei do coração. Não procures explicação para a minha vida, nem a tomes com pena ou escândalo; quando eu ficar tão velha que pareça louca, lê nestes cadernos que eu fui feliz. Não te preocupes como ou quanto, nem caias na tentação de distinguir amor e paixão: a pouco e pouco, fui vendo que essas divisões são armadilhas que se montam para que o pano caia sobre os nossos olhos e a imortalidade desapareça do nosso horizonte. O amor, Camila, consiste na divina graça de parar o tempo. E nada mais se pode dizer sobre ele. (p. 20-21)

 

Nunca me confrontei com as desilusões porque sou um ser solitário. Afasto-me das pessoas e observo-as de longe; nunca consigo vê-las de muito perto, sem enquadramento. Enfrentando a imperfeição aprendi a perdoar. Olho para a raiz das ações, e concluo que também eu a podia ter cometido. A pior delas. (p. 42)

 

As pessoas são mais imprevisíveis para o bem do que para o mal, por isso nunca me canso de viver. (p. 42)

 

Sussurras-me que estou doida. Talvez tenhas razão. Mas não estou mais doida do que naquela noite em que, arrebatada pela tua indiferença, sonhei que contratava dois criados e entrava na sala de jantar deitada sobre uma salva de prata forrada de lírios, nua, com uma maçã na boca. (p. 67)

 

Tomei consciência de que ia morrer no dia em que pela primeira vez me olhei no espelho e me reconheci. Soube da minha morte antes mesmo de saber exprimir-me corretamente. Hoje as crianças já sabem fazer contas e manipular computadores antes de saber quem são e de onde vieram. Ensinam-nas a andar cada vez mais cedo e já não passam pela fase de gatinhar.  Quando eu era criança havia sempre muita gente a morrer lentamente, passando o tranquilo testemunho da sua morte aos seus descendentes. Os mortos eram jovens e vagarosos, projetavam-se sobre os vivos como anjos da guarda, abrandavam-lhes ganâncias e invejas, ridicularizavam-lhes as urgências da vida. (p. 71)

 

Desisti de contar os dias e as noites. Creio que existi sempre fora da sucessão das estações e dos anos, para escapar ao desamparo, ao desperdício espesso que envolve a vida. (p. 77)

 

Aprendi a fazer com que as palavras deslizassem sobre o meu corpo, lentamente, como pétalas caindo no Outono. Mas agora sinto-as em ninhos sujos, separadas de mim, furando-me a cabeça e saindo-me da boca como se ninguém as tivesse dito, e nascessem e morressem sozinhas. (p. 81)

 

Entre mim e a Leonor basta o rascunho de um gesto. (p. 159)

 

Já não há crimes nobres pela simples razão de que a nobreza é, antes de mais, uma forma de orquestração do tempo. Ou era; entretanto, o tempo mudou de sexo e de ritmo e tornou-se pura velocidade. Aparentemente, também no mundo do crime deixou de haver lugar para o êxtase contemplativo ou para o jogo da estética. Mata-se como se vive: com sentido prático e rapidez. (p. 167-168)

 

O amor não se explica, não é, Jenny? O seu amor pelo António, o amor dele pelo Pedro. O amor não quer saber das ideias que tenhamos sobre a nossa identidade ou sobre as nossas preferências sexuais. O sexo é um acaso irrelevante diante dos obstinados desígnios da paixão. O meu amor pela Leonor, o amor da Leonor por mim, vejo-os agora como estrelas cruzando-se sobre o vazio profundo de um firmamento de cartolina azul. Duas vibrações dispersas de uma mesma luz vã, desenhando breves trajetórias de fogo sobre um céu incombustível. (p. 176)

 

Todos os erros da Terra se resumem a esta expressão rasa: evitação da vida. Sabemos que a própria vida se encarregará de nos evitar, inexoravelmente, e mesmo assim escusamo-nos a seguir a particular música do nosso sangue, até o fim. (p. 181)

 

Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim. (p. 187)

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