Um erro factual presente em um material digital distribuído a estudantes da rede estadual paulista, sob comando do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, voltou a expor a fragilidade do sistema de revisão pedagógica sob a gestão atual da Secretaria de Educação de São Paulo. No conteúdo, voltado para alunos da 2ª série do ensino médio (16-17 anos), consta a seguinte afirmação: “Na década de 1950, a Europa foi o palco de um grande conflito, a 2ª Guerra Mundial”.
A frase, que aparece em um capítulo sobre globalização e economia mundial, foi enviada por um professor da rede pública ao gabinete do deputado estadual Emídio de Souza (PT), que encaminhou o caso ao Ministério Público. O parlamentar solicita que o erro seja apurado e que a Secretaria da Educação seja chamada a prestar esclarecimentos. Em nota, Emídio afirmou que a imprecisão revela a ausência de uma revisão técnica e pedagógica rigorosa.
A data correta do conflito — 1939 a 1945 — é um dos pontos mais básicos da história do século XX, e aparece, inclusive, em outros trechos do mesmo material. A menção aos anos 1950, no entanto, não é um mero erro de digitação: ela reestrutura o sentido histórico da passagem, ao sugerir uma cronologia desalinhada com os fatos e com a própria lógica da Guerra Fria, que se desenha justamente após o fim do conflito.
“Na década de 1950, a Europa foi o palco de um grande conflito, a 2ª Guerra Mundial. Os países destacados no mapa lutaram em lados opostos do conflito, mas após seu fim se viram obrigados a enfrentar uma nova ordem mundial com duas grandes potências: os EUA e a URSS”, diz o trecho do material didático incorreto.
A Segunda Guerra Mundial foi um dos mais importantes conflitos da história recente, e define boa parte do que acontece na segunda metade do século XX e ainda hoje, em escala global. Além disso, é um dos temas de História global mais cobrados em vestibulares como o ENEM.
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“É realmente preocupante que materiais oficiais de tão ampla importância e circulação apresentem falhas dessa natureza, o que evidencia não apenas deficiência nos mecanismos de controle e revisão, mas também uma absurda falta de compromisso institucional com a qualidade do ensino público estadual”, declarou Emílio de Souza.
Em resposta, a Secretaria da Educação do Estado informou que a Coordenadoria Pedagógica já foi acionada para revisar o material e corrigir o equívoco. A pasta afirma estar “reforçando os procedimentos de revisão e controle de qualidade dos recursos didáticos utilizados na rede estadual”.
Apesar da correção anunciada, o episódio gerou críticas de entidades ligadas à educação. Para a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), o erro não é isolado, mas sintomático. Em nota, a deputada Professora Bebel (PT), vice-presidente da entidade, associou o caso à política de redução de investimentos na área, à crescente digitalização do ensino e à fragilização dos mecanismos de controle de qualidade.
“Este é apenas mais um episódio bizarro da gestão do secretário Renato Feder na Educação Paulista, que nosso mandato parlamentar, e a Apeoesp, há muito vêm denunciando como autoritária, repleta de políticas equivocadas e descompromisso com a qualidade do ensino”, afirma a deputada. “A pretexto de modernização e eficiência, o governo Tarcísio foca em corte de gastos, privatizações, militarização das escolas e na total plataformização digital do processo ensino-aprendizagem, contrariando recomendações e estudos nacionais e internacionais. […] Assédio moral, medidas de controle sobre professores, funcionários e estudantes e ações punitivas aos profissionais da Educação, estão violando direitos legais, levando a justiça a decidir a favor da Apeoesp em ações judiciais”
A parlamentar também apontou que os profissionais da educação vêm atuando em um ambiente de pressão, com salários defasados, aumento de medidas punitivas e desvalorização estrutural da carreira docente. A reforma administrativa em curso no estado, segundo a Apeoesp, compromete tanto as condições de trabalho quanto a qualidade do ensino oferecido à população.
O material, de uso digital, faz parte do conteúdo disponibilizado pela Secretaria às escolas da rede estadual como complemento ao currículo oficial. Segundo apuração inicial, o conteúdo com o erro circulava em escolas da cidade de São José dos Campos, mas não há confirmação de quantos estudantes tiveram acesso à versão com a data incorreta.