Você sabia que Paulinho da Viola tem um samba inspirado em “Memórias de um Sargento de Milícias”?

Em 1966, quando tinha apenas 23 anos, o grande mestre do samba e portelense, Paulinho da Viola, transformou o clássico de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de Milícias, publicado em 1853, em samba-enredo. E, como não seria surpresa para ninguém, o jovem compositor, na época uma grande promessa para o samba, levou a escola ao título máximo do Carnaval carioca com nota 10 em enredo, samba e harmonia.

O livro retrata a vida de malandragem de Leonardo, filho ilegítimo de um meirinho e uma parteira, que vive aventuras e trapaças pelas ruas do Rio colonial sob o reinado de D. João VI. Seu protagonista, nada tem em comum com os heróis românticos da época. Desde muito cedo deu as costas para a vida acadêmica e religiosa para desfrutar do ócio. Não sofre remorsos nem dores de amor, e quando é feito sargento se identifica mais com a malandragem do que com as forças da ordem.

Com sua narrativa centrada nos homens livres, mas despossuídos, do Brasil dos tempos de d. João VI, este romance pioneiro oferece um panorama cômico e precioso do modo de vida e da moralidade incrivelmente adaptável de um país ainda em construção.

Paulinho, em parceria com J. Ribeiro e Casemiro, capturou essa essência com versos leves, irônicos e cantáveis:

“Era no tempo do rei
Quando aqui chegou
Um modesto casal
Feliz pelo recente amor
Leonardo, tornando-se meirinho
Deu a Maria Hortaliça um novo lar

Outro trecho genial resume capítulos inteiros:

“Nosso herói outra vez se apaixonou
Quando sua viola a mulata Vidinha
Esta singela modinha contou:
Se os meus suspiros pudessem
Aos seu ouvidos chegar

A melodia traz harmonia sofisticada com acordes menores, modulações raras para a época e um solo de cavaquinho que imita o passeio de Leonardo pelas vielas. Além disso, segue a versificação comum de Paulinho, com versos cursos, rimas rápidas, simples, mas melodias diretas, mas que soam ao mesmo tempo dinâmicas e complexas.

“Verias que uma paixão
Tem poder de assassinar


Idealizado pelo carnavalesco Hildebrando de Araújo e com Paulinho como diretor de harmonia, o desfile foi um marco: o primeiro samba-enredo literário completo da Portela.

Leia também: Paródia da canção de Paulinho da Viola vira hit da Campanha de Vacinação contra a Covid-19

Confira o samba-enredo:

Em 1971, Martinho da Vila regravou a obra em estúdio, com arranjo mais lento e violão em destaque, eternizando-a na MPB. O samba abriu caminho para enredos literários futuros, como “Dom Quixote” da Mangueira (1982). Paulinho provou que literatura e carnaval podem dançar juntos e com maestria.

Veja a versão de Martinho da Vila:

Ouça a versão original da Portela 1966 ou a de Martinho e sinta o Rio antigo pulsar na avenida.

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