A essa altura, talvez o nome Harlan Coben já funcione quase como um subgênero. São histórias que giram em torno de desaparecimentos, segredos familiares, traumas enterrados e revelações que chegam sempre um segundo antes do corte para os créditos. A fórmula tem funcionado: o autor norte-americano viu seus livros adaptados para a televisão com frequência crescente nos últimos anos, principalmente na Netflix. Mas é com Lázaro, série original da Prime Video, que Coben e seu colaborador Danny Brocklehurst decidem fazer algo diferente. O resultado é um thriller psicológico de alta tensão, com ambições maiores, riscos narrativos calculados e performances excelentes.
Um thriller com um twist sobrenatural (ou será?):
É difícil escrever sobre Lázaro sem resvalar em spoilers, então vamos ficar com o que já está no material de divulgação: a série acompanha Joel “Laz” Lazarus (Sam Claflin), um psicólogo forense que, após o suicídio do pai – também psiquiatra – começa a ter visões de seus antigos pacientes. É um ponto de partida que soa sobrenatural, mas a série é deliberadamente ambígua quanto ao que é delírio, o que é memória e o que é verdade. Ao longo de seis episódios, Lázaro se desenrola como uma espiral de luto, paranoia e revelações. É parte mistério policial, parte drama familiar, parte estudo de personagem, parte história sobrenatural (ou será?).
Talvez o maior mérito da série seja seu desconforto com a previsibilidade. O roteiro joga o espectador em múltiplas linhas temporais, exige atenção total para pequenos gestos e silêncios – se você quer descobrir o mistério antes da revelação, isso é imprescindível –, e se recusa a entregar respostas fáceis. É uma obra que acredita na inteligência de quem assiste, e por isso mesmo pode causar estranhamento inicial. Mais uma vez, é necessário prestar atenção.
Um elenco de peso e performances arrepiantes:
No centro disso tudo está Claflin. E não é exagero dizer que ele carrega a série nas costas – embora, felizmente, não esteja sozinho. Há anos o ator vinha se encaminhando uma transição para papéis mais densos, menos guiados por carisma imediato – e desde Peaky Blinders, onde entregou uma das melhores performances da série como o vilão Sir Oswald Mosley, se torna cada vez mais óbvio que Claflin é um dos atores mais versáteis de sua geração. Aqui, ele entrega uma performance brilhante: um homem devastado pela perda, mas também por tudo o que ela revela; alguém que tenta organizar o caos do luto por meio da lógica analítica de seu ofício, e que falha repetidamente nisso. Claflin é magnético quando em silêncio, mas ainda mais quando está à beira do colapso. Há um tipo de contenção emocional que, nas mãos erradas, se tornaria monótona. Claflin a transforma em tensão palpável. Seu Joel é ao mesmo tempo inquietante e vulnerável – e é nessa tensão que a série encontra sua alma.
O elenco ao redor sustenta com firmeza essa espinha central. O sempre brilhante Bill Nighy, mesmo com pouco tempo de tela, impõe presença suficiente para justificar o fantasma que sua ausência se torna. Alexandra Roach (Jenna, irmã de Joel), David Fynn (Seth, o policial e amigo de infância), Karla Crome (Bella, a ex-esposa) e Eloise Little (Sutton, irmã gêmea assassinada) compõem um núcleo coeso, crível em suas dinâmicas internas. É notável como todos esses personagens orbitam Joel sem nunca serem meramente coadjuvantes – cada um tem sua própria narrativa, suas próprias feridas, sua própria relação com os acontecimentos centrais da trama. A direção da série, assinada por Hans Herbots, permite que essas individualidades apareçam sem perder o foco do todo.
Produção e estética:
Visualmente, Lázaro é uma experiência marcante. A ambientação em Manchester confere à série uma textura urbana e melancólica que ecoa o estado mental de seu protagonista. O consultório do pai de Joel, com sua arquitetura brutalista e design interior quase expressionista, se torna um personagem por si só — um espaço onde o tempo parece dobrar e onde as fronteiras entre o real e o imaginado se dissolvem. A fotografia trabalha com contrastes calculados, usando luzes frias para as cenas do presente e tons mais quentes (e também mais instáveis) para as sequências que parecem habitar o passado ou a imaginação. Sons e cores específicas estão vinculados às aparições, dando um ar sombrio que lhes cai muito bem. É uma série que sabe onde posicionar a câmera, e que não tem medo de deixar o espectador desorientado quando necessário.
Uma história sobre pais, filhos e ciclos:
É verdade que nem todas as escolhas funcionam com a mesma intensidade. Há subtramas que soam subdesenvolvidas, e pelo menos um arco narrativo (envolvendo o filho adolescente da ex-mulher de Joel) parece existir apenas para adicionar tensão a uma equação que já é bastante carregada (e possivelmente deixar um gancho para uma segunda temporada, embora a história da série fique completamente fechada no último capítulo). Mas esses deslizes são pequenos perto do que a série alcança em termos de coesão emocional e risco estético. Lázaro tem algo raro em produções de streaming contemporâneas: ela não está interessada em prender o espectador com ganchos baratos. Seus mistérios importam, sim, mas menos do que suas angústias, e é por isso que, mesmo depois de resolvidos, os episódios continuam reverberando.
A estrutura de seis episódios também joga a favor. Diferente de muitas séries que se perdem em temporadas longas e tramas infladas, Lázaro sabe onde começa, onde termina, e quanto tempo precisa para chegar lá. É densa, mas nunca inchada. A duração enxuta com uma história que tem a intenção de ser completamente terminada em uma temporada (também raridade hoje em dia) exige que cada cena seja relevante, e o roteiro – escrito por Coben e Brocklehurst – responde com economia inteligente. Mesmo os momentos mais simbólicos ou oníricos, que poderiam facilmente escorregar para o esotérico, mantêm uma ancoragem narrativa precisa. Nada está ali por acaso, e mesmo o que parece não fazer sentido imediato acaba se encaixando, cedo ou tarde, com alguma precisão inesperada.
Vale a pena assistir?
O que Lázaro demonstra, em última instância, é que o gênero do thriller psicológico ainda pode ser reinventado – não pela fórmula, mas pelo foco. A série não quer ser apenas um mistério a ser desvendado, mas um retrato do modo como o trauma distorce a percepção, como o luto embaralha a cronologia do mundo, e como a dor pode ser investigada como um crime. Ela propõe que a investigação não é apenas externa (quem matou quem?), mas também interna (o que essa perda fez com você?). Nesse sentido, é menos sobre crime e mais sobre memória. E é aí que a atuação de Claflin se torna não apenas competente, mas decisiva: ele nos conduz por essa investigação subjetiva com segurança absoluta.
Ao final, o que fica é a sensação de que Lázaro é uma obra sólida, que se destaca no catálogo da Prime Video como uma das melhores estreias do ano. Com um protagonista complexo, uma trama instigante e uma direção segura, é uma daquelas séries que não apenas entretêm, mas deixam marcas. Pode não agradar a todos, e nem pretende. Mas quem embarcar no seu ritmo encontrará um thriller de verdade – desses que confiam no espectador, e que exigem atenção e paciência em troca de um final satisfatório (com uma pequena ressalva, realmente bastante questionável, que acontece bem no final da série, quando a história principal já está totalmente resolvida, e que não vou apontar diretamente por ser impossível de fazê-lo sem entregar spoilers gigantescos no processo, mas que o espectador provavelmente vai reconhecer). Sam Claflin, em particular, sai da série não apenas como protagonista, mas como ator em pleno domínio de seu ofício. Seu trabalho aqui é maduro, comprometido, profundo.
Em meio a tantas séries esquecíveis, Lázaro talvez seja o melhor thriller que você verá este ano.