Com simplicidade e excelência, Cia Lazzari apresenta ao público texto forte sobre liberdade feminina e hipocrisia enraizada na sociedade brasileira.
O teatro independente tem duas coisas que me encantam: a necessidade de ser simples, e o desejo de fazer algo bem feito. Doroteia da Cia Lazzari tem essa fórmula bem executada.
Escrita por Nelson Rodrigues em 1949, Doroteia é considerada uma de suas peças míticas, diferente de suas propostas realistas presentes na maior parte de sua carreira.
As peças míticas de Nelson Rodrigues exploram temas como a família, sexualidade e violência, sempre com um olhar crítico e irreverente. Nessas peças, como em todas as demais peças de Nelson, o autor não se preocupava em agradar o público, mas sim em provocar questionamentos sobre a sociedade brasileira.
Na peça, acompanhamos a história de Doroteia, uma mulher que decide abandonar a vida de pecados após a morte do filho. Ela busca refúgio na casa de suas primas, três mulheres viúvas, conservadoras e extremamente religiosas, que vivem isoladas do mundo. As primas de Doroteia a rejeitam devido a seu passado, mas acabam aceitando-a sob certas condições, para que Doroteia não represente uma ameaça à moralidade delas. Doroteia aceita a imposição e passa a viver como uma reclusa, submetendo-se aos desejos das primas.
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A montagem proposta pela Cia Lazzari beira o surrealismo, talvez na intenção de atender às necessidades fantásticas de Nelson Rodrigues, com performances singulares, explorando a fantasia e a sexualidade propostas pelo autor, e bom aproveitamento do espaço. A peça se destaca pela dinâmica e sua simplicidade, pois apesar de termos muito texto, o ritmo adotado pela companhia impede que a história fique maçante, mantendo sempre a atenção do público.
Com um grupo aparentemente jovem, mas bastante competente, temos boas atuações do elenco. Vale destacar as atuações de Lela Gonçalves e Livia Martinez que direcionam com maestria a narrativa da montagem. Além disso, Nicole Marim como Das Dores tem atuação, que mesmo delicada, nos envolve com sua performance magnética.
Através da montagem da Cia Lazzari fica palpável a crítica proposta por Nelson Rodrigues sob uma sociedade hipócrita, machista e que reprimi as mulheres. E mesmo 75 anos após a peça ser escrita, ainda conseguimos ver essa hipocrisia enraizada na sociedade brasileira, que constantemente enfrenta desafios nesse sentido, com altos índices de feminicídio e violência de gênero.
Doroteia da Cia Lazzari, é uma peça que merece total atenção, pelo seu texto complexo, mas muito bem executado, pela genialidade da utilização do espaço, e por esses novos nomes na cena paulista, como o do diretor Victor Lazzari, que nos apresenta um teatro independente de qualidade.
Ficha Técnica:
Autor: Nelson Rodrigues
Direção: Victor Lazzari
Produção: Jessica Oehlerick
Assistente de Direção: Maria Fernanda Thiago
Elenco: Arara Xestal, Bruno Macedo, Felipe Damazzo, Lela Gonçalves, Livia Martinez, Nicole Marim e Rafael de Farias
Stand-in: Isabella Dessewffy
Cenografia: Victor Lazzari
Figurino: Tiago Sena (Laviignea) e Luís Augusto Passos
Visagismo: Victor Lazzari, Jessica Oehlerick e Jorge Pitta
Maquiagem: Jorge Pitta
Design de Luz: Victor Lazzari
Sonoplastia: Maria Fernanda Thiago
Cenotécnico: Mateus Fiorentino
Operação de Luz e Som: Maria Fernanda Thiago
Técnica de Palco: Isabella Dessewffy
Fotografia: Caio Graco
Ilustração: Alana Folchart
Apoio: Abramus, Funarte, Heineken, SP Escola de Teatro, QG 791 e WOW Burguer
Realização: Cia Lazzari