“O Mistério da Lixeira” (2024) é o cinema em sua melhor forma

Um homem chega em uma bagunçada delegacia, quer fazer uma denúncia. Na noite passada, homens entraram em sua casa, o agrediram e levaram Lakshimi. “Quem é Lakshimi?” indagam os policiais, “seria sua esposa?” “Não”, responde o homem, a esposa faleceu há muito, na casa há somente ele e sua filha. Lakshimi é a filha, então?” Também não. “Lakshimi é…uma lixeira.”

Dando o devido crédito a Maharaja (Vijay Sethupathi), o homem em questão e protagonista de O Mistério da Lixeira, se trata de uma lixeira com alto valor emocional. O objeto protegeu sua filha, Jothi (Sachana Namidass), durante o  acidente que vitimou sua esposa. Lakshimi tem espaço de destaque em seu lar, e toda semana ele e sua filha a lavam com o maior carinho. Não é uma lixeira qualquer, e ele precisa reavê-la antes que sua filha retorne de uma viagem escolar.

É um pedido ridículo, absurdo, mas o universo do filme está alinhado a esses aspectos. Na delegacia, um ladrão de carros chamado Policial parece gostar de apanhar dos policiais, e Maharaja revela ser absurdamente forte. Há mais de uma cena nesse começo da produção, de dezenas de pessoas tentando movê-lo, sem sucesso, enquanto alguma estrutura é destruída pelas suas mãos.

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Mas, aqui e ali, se observam elementos estranhos, que parecem interferir na aparente inocência do filme. Por que Maharaja está disposto a pagar valores milionários para encontrar a lixeira? E o que a briga entre um vereador e um mecânico tem a ver com a história?

Quando O Mistério da Lixeira conclui, parece se tratar de um filme completamente diferente do começo, e observar essas mudanças de tom sem que a narrativa soe completamente inverossímil é parte da graça. É um trabalho constante de recontextualização do que está sendo exibido, e informações se repetem mas sempre com um novo teor. Maharaja, por exemplo, conta a história da invasão diversas vezes ao longo do filme. Inicialmente, isso é engraçado, mas chega um ponto que a repetição revela uma dor profunda sobre a realidade dos acontecimentos.

E a narrativa como um todo vai abraçando essa transformação. Conforme os aspectos mais sombrios se tornam evidentes, a comédia vai ficando para trás, se tornando uma espécie de thriller onde parece que termos todas as respostas, mas logo tudo muda. O Mistério da Lixeira não tem medo de desestabilizar e até mesmo iludir o espectador, onde a própria estrutura do filme não é o que aparenta ser. É a montagem brincando com o tempo espaço como só o cinema pode fazer.

Perigo de comentar muito sobre o filme e acabar estragando certas surpresas. Não é um filme que depende de plot twists para funcionar, longe disso, pois nada é gratuito. Há obras que se contentam em “puxar o tapete” do espectador, sem que a reviravolta converse com o que veio antes. O Mistério da Lixeira te engana, mas não só pelo prazer de enganar, e sim partindo de um afinado trabalho formal, que concilia seus diversos elementos para proporcionar uma experiência fascinante.

Revisado por Luiz Antonio Ribeiro

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