“Embora desconhecido no Ocidente, Leskov foi um grande mestre da narrativa, tal como Dostoiévski”, asseverou ninguém menos que Thomas Mann. Escritor independente num tempo de divisões políticas e estéticas claras, Nikolai Leskov (1831-1895) foi incompreendido pela crítica de seu tempo, já que o alto grau de experimentação de suas obras não permitia encaixá-lo na tradição da prosa realista do século XIX.
Verdadeiro artífice das palavras, criou uma linguagem literária rica e pitoresca, misturando expressões da língua arcaica e da fala popular que ouviu dos mais diversos tipos humanos, com os quais tivera contato em inúmeras viagens pelo vasto território russo em seus anos de trabalho como agente comercial, ainda antes de se tornar escritor. Somente nos anos 1920 (muito antes portanto do famoso ensaio de Walter Benjamin, “O narrador”), importantes teóricos do formalismo russo como Boris Eikhenbaum e Viktor Chklóvski seriam capazes de compreender o “estranhamento” linguístico e a sofisticação dos procedimentos de composição de Leskov.
Tudo isso pode ser plenamente verificado nesta nova coletânea de contos do autor, organizada, traduzida e comentada por Noé Oliveira Policarpo Polli, que assina também um alentado ensaio sobre a onomástica leskoviana — isto é, sobre os nomes dados pelo escritor a suas obras e personagens —, o qual se revela também uma análise profunda e minuciosa das histórias aqui reunidas.
Confira um trecho da orelha de “Um pequeno engano e outras histórias”: Nikolai Leskov, escrita por Francisco de Araújo:
Com a ideia de “narrativa útil” — porque sedimenta lendas, possivelmente edifica, entretém e aproxima as pessoas —, Leskov produziu as muitas dezenas de histórias curtas que, de modo simples e encantador, hoje nos informam e comovem. São seu objeto temas ou eventos históricos como o pânico social causado pela ideia do “niilista terrorista”, em “Viagem com um niilista”; a existência de grupos protestantes russos surgidos no século XVII, dissidentes da ortodoxia cristã oficial, o que se faz de passagem em “O imortal Golovan”; motivos do folclore russo e imagens da mitologia eslava, como o rublo de prata trocado por um gato preto na noite de Natal e que nunca se gasta, em “O rublo mágico”; os espíritos zombeteiros em “O espírito da senhora Genlis”, e assim por diante.
Os seis primeiros contos desta coletânea, de uma série escrita nos primeiros anos da década de 1880, respeitam as determinações do gênero Sviátki — a ação deve transcorrer nos doze dias entre as festas de Natal e Dia de Reis, ser de linguagem simples e com final feliz, trazer um problema que se resolva por milagre ou obra do acaso, desfazendo uma ideia pronta ou um preconceito arraigado. As duas últimas narrativas, concebidas como uma série de episódios ou aventuras do protagonista, de modo a obter-se do todo uma biografia dinâmica, contam a história de “O imortal Golovan” e “Toirovelha”, criaturas incomuns, inflexíveis e de elevadíssima moral.
Era desejo de Leskov que o centro, por mais poderoso que fosse, não deixasse de conter a periferia, que o urbano não deixasse de ter notícias do rural, que o “camponês sedentário” e o “marinheiro comerciante” se alimentassem mutuamente de histórias, e que o futuro, por mais transformado que viesse a ser, guardasse as relíquias do passado. Nesse sentido, a sua contribuição é um sucesso de que a publicação desta coletânea, a tal distância no tempo do escritor, dá importante testemunho.
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Nikolai Leskov
Um pequeno engano e outras histórias
Organização, tradução, comentários e notas de Noé Oliveira Policarpo Polli
Coleção Leste
336 p.
14 x 21 cm
420 g.
ISBN 978-65-5525-211-8
R$ 86,00