Cheia de referência e com muita história para contar, Prontuario 12.528 aborda sobre os crimes da ditadura, num momento em que presenciamos mais uma tentativa de intervenção na democracia.
Quando me coloquei no teatro Núcleo Experimental para assistir Prontuário 12.528, tinha uma certa expectativa com a peça, pelo elenco experiente e pela estética proposta. Mas ao entrar na sala minha expectativa foi transformada em puro encanto mediante a um desenho cênico surpreendente, e atuações tão refinadas que me deixaram extremamente encantado, e com um desejo de ver mais.
A história se passa num hospital em ruínas que mescla elementos do passado com distopias futuristas, os pacientes revivem a história do Brasil em clima de sonho e pesadelo, abordando a trajetória do Brasil, da colonização até questões sociais contemporâneas, discutindo através de recortes históricos assuntos como a ditadura. É por conta disso o nome Prontuário 12.528, que faz referência ao número da lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade para investigar a violência de Estado.
Ao analisar a montagem é possível identificar referencias utilizadas pela Cia Mecenato Moderno para fugir do teatro documental. Dentre elas, podemos destacar os trabalhos de Tadeusz Kantor e Samuel Beckett. A montagem utiliza Tadeusz Kantor, um dos mais influentes artistas do século XX que revolucionou o teatro com suas performances que mesclavam elementos visuais, teatrais e performáticos. Sua obra foi marcada por uma profunda reflexão sobre a memória, a morte e a condição humana.
Para Kantor, por exemplo, a cenografia não era apenas um pano de fundo, mas um elemento ativo e fundamental das suas peças, algo extremamente presente em Prontuário 12.528. Já com Samuel Beckett é possível identificá-lo como referência nos personagens fragmentados, e tempo e espaço indefinidos, pois o passado, o presente e o futuro se misturam, e os personagens parecem estar presos em um eterno presente.
Sobre o elenco que compões a montagem temos, Cesar Ribeiro que assina a dramaturgia e direção, nas atuações temos Clara Carvalho, Helio Cícero, Mariana Muniz e Pedro Conrado, com cenografia de J. C. Serroni, figurinos de Telumi Hellen, e iluminação de Domingos Quintiliano. Mas assistir Prontuario 12.528 é ter uma aula de atuação, com todos na sua melhor performance, porém, destaco a encantadora atuação de Clara Carvalho que traduz corpo em sentimentos nos momentos mais sensíveis do espetáculo.
Acredito que obras como Prontuario 12.528, são extremamente importantes num mundo que está o tempo todo flertando com a extrema-direita, e que não se importa com a história, com o legado, e com seus mortos que aos poucos vão se levantando como na Argentina, mas assim com a ideia de se apropriar e calar o povo ou seus desejos.
Ficha Técnica:
Dramaturgia, trilha sonora e direção: Cesar Ribeiro
Atuação: Clara Carvalho, Helio Cicero, Mariana Muniz e Pedro Conrado
Cenografia: J. C. Serroni
Figurinos: Telumi Hellen
Iluminação: Domingos Quintiliano
Visagismo: Louise Helène
Produção: Edinho Rodrigues e Marisa Medeiros