A vilã das nove (2024): filme brasileiro desconstrói arquétipo criado nas nossas telenovelas 

Personagem que literalmente se joga no mar para mergulhar em uma nova vida, declara o óbito de quem foi no passado e segue em frente sem pedir perdão a quem foi abandonado. Se homem, é aventureiro, misterioso, rebelde. Se mulher, é vilã. Se mãe, é pior, é vilã das nove

Sabendo que o diretor Teo Poppovic foi um dos roteiristas responsáveis pelo Quinze Minutos, um dos maiores acertos na comédia da finada MTV brasileira, vemos que a antiga emissora, além de criar uma máquina de grandes apresentadores, abriu caminho para talentos notáveis do nosso cinema. Por outro lado, conhecer essa veia cômica do sobrinho da Silvia Poppovic, pode levar a crer que A vilã das nove (2024) será alguma espécie de anedota contada por caricaturas inspiradas em um dos nossos maiores produtos culturais: as telenovelas. Que feliz engano. 

As novelas das 9 horas nos trouxeram vilãs icônicas como Odete Roitman, personagem clássica dos anos 80, que será revivida por Débora Bloch no remake de Vale Tudo, Carminha, de Avenida Brasil (2012) e Nazaré Tedesco, o meme eterno desde Senhora do Destino (2004). Essas personagens criaram e consolidaram o arquétipo “vilã das nove”: mulheres que incorporam a crueldade e a destreza de agir com coração frio ou ardente. Nazaré, inclusive, rouba um bebê. A protagonista de A Vilã das Nove, no entanto, conquista o seu título por uma atitude bem diferente: ela abandona a própria filha ao fugir de uma vida infeliz. 

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Karine Telles, Laura Pessoa e Alice Wegmann

Além de intitular o filme, Roberta, vivida por Karine Teles, dá nome à novela que se passa dentro do longa: “A má mãe”. Na sua vida anterior, seu nome era Eugênia, mas ela é totalmente fiel à nova skin de sua personagem e não se deixa fragilizar por assombrações que invadem o presente mesmo quando se trata da sua filha Débora (Alice Wegmann) que, abandonada na infância, aos 23 anos de idade procura pela mãe.

Débora passa a integrar a equipe de roteiro de uma novela famosa, convencendo um renomado roteirista a adaptar a história da sua vida para a teledramaturgia. Desde a estreia de “A mà mãe” Roberta/Eugênia se reconhece na trama, e a busca da filha abandonada assume drama, suspense, vinganças, desencontros e reviravoltas num clima de “Mais estranho que a ficção”.

Embora o filme preste um serviço de declaração da vilã das nove como, além de arquétipo, patrimônio da cultura popular brasileira, ele também se dedica a desconstruir os papéis tão fortemente atribuídos às vilãs. Com essa finalidade, a montagem exerce o trabalho de usar do repertório das telenovelas, tão familiar ao público brasileiro, para expandir o caráter da vilã e promover o reconhecimento, por nós e pelo público internacional, da teledramaturgia como expressão artística do Brasil por excelência.

Camila Márdila e Karine Teles

Isso fica evidente quando a atriz que interpreta Eugênia em “A má mãe” é parabenizada por desempanhar papéis devido aos quais a Eugênia “real” precisa lidar com maus julgamentos. Por outro lado, Roberta pode apreciar o anonimato enquanto a atriz que a interpreta é agredida em lugares públicos. Tanto a vida real quanto a ficção geram consequências para quem assume o papel de vilã das nove. 

E ao fim, Ted Poppovic não deixa dúvidas da sua competência em empregar o gênero brasileiro das telenovelas para criar “ABSOLUTE CINEMA” lembrando que, nas grandes telas e na vida, nem sempre uma “vilã” terá motivações óbvias, atitudes esperadas ou vai colaborar para um final feliz. Os caminhos que Roberta/Eugenia escolhe são bem diferentes do que “funciona” para uma vilã das nove. 

Por falar em novelas, vale lembrar que até há pouco tempo, era prestigioso chamar atores e atrizes de “globais” por integrarem o elenco da maior emissora do Brasil. Mas, a julgar pelo que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2024 vem apresentando, prestigioso mesmo é chamar nossos atores e atrizes de artistas do cinema brasileiro. 

Minha nota para A vilã das nove no Letterboxd: 4 estrelas. 

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