Em “A Canção dos Ossos”, publicado pela editora Record em 2024, a autora Giu Domingues nos transporta para um mundo de fantasia, música, intrigas, amor e magia. O romance é uma releitura sáfica da clássica obra gótica “O fantasma da Ópera”, de Gaston Leroux.
Música e Magia
O palco principal da narrativa é o conservatório de Vermília, uma importante parte do Império. A autora cria um mundo fantástico no qual a magia se conecta com os instrumentos musicais. Além disso, durante todo o livro percebemos diversas referências e metáforas relacionadas à música.
Nele, acompanhamos a sua protagonista, Elena Bordula, cujo sobrenome a deixou marcada devido à condenação de sua mãe Loralie Bordula por ter utilizado magia de ossos, uma poderosa fonte, porém ilegal. Observamos o desenrolar das relações entre Elena e suas melhores amigas, Margot e Cecília, que vão mostrando-se permeadas por desconfianças, segredos e inveja. Há ainda Theodora Garnier, interesse romântico da protagonista. Filha de André Garnier, reitor do conservatório, ela representa para Elena uma possibilidade de ascensão social, porém que a faria ter de abdicar de seu maior sonho, fazer parte da Primeira Orquestra.
O primeiro passo para a realização dos sonhos de Elena é receber o sopranato de prata, porém, como a garota temia, seus sonhos são frustrados. Entretanto, uma ajuda misteriosa passa a guiá-la, fazendo com que seja notada por Grigori Yasov, maestro da Primeira Orquestra. Isso abala a sua relação com as amigas e também provoca certo ciúmes em Alec, o soprano de ouro da primeira orquestra.
A ajuda nada convencional que recebe se manifesta através de uma voz vinda do espelho, pela fantasmagórica Eco. Influenciada pela sede de poder, Elena torna-se cada vez mais ambiciosa, cedendo aos apelos de Eco, que em troca lhe oferece uma magia poderosa, que assombra e causa desconfiança em todos que a observam cantar.
Fantasia e desenvolvimento da protagonista
Os elementos fantásticos propostos em Canção dos Ossos são interessantes, porém em muitos momentos a fantasia acaba não sendo o foco principal da narrativa, que parece centrar-se nas relações interpessoais de amizade, romance, ciúmes, inveja e seus conflitos. Ao longo da história são mencionados alguns temas bastante relevantes, principalmente para os jovens, sobre aceitação corporal, magreza, estereótipos de beleza, abuso, que não são trabalhados tão a fundo, porém vale o interesse da autora em abordar tais assuntos.
Aos poucos, a imagem da protagonista vai alterando-se, tornando-se mais complexa conforme conhecemos também os seus lados mais obscuros, seus desejos se transformam em uma obsessão doentia e ambiciosa, o que nos leva a um final surpreendente, que rompe com as ideias de heroína e vilã.
Leia também: ‘Abraqueerdabra’: coleção brasileira faz releituras LGBTQ+ de fantasias clássicas
Os acontecimentos no conservatório vão ficando cada vez mais sombrios e catastróficos. Há um perigo iminente pairando no ar, porém que também traz algumas oportunidades a alguns personagens de subir na hierarquia, o que não é de todo mal.
O público alvo do romance são os adolescentes e jovens adultos, o que me deixa um pouco deslocada em certos momentos, mas confesso que me senti voltar aos tempos de adolescência quando lia as fantasias de Cassandra Clare.
Até onde poderíamos ir por poder? Qual preço estaríamos dispostos a pagar para conseguir o que queremos? Ao trilhar este caminho junto de Elena Bordula vamos conhecendo as nuances e linhas tênues que separam os sonhos inocentes de uma obsessão sem escrúpulos.