“Vastidão”, de Cristiana Rodrigues, apresenta crônicas sobre o amadurecimento feminino

O afastamento narrativo e temporal do livro nos aproxima de questões como os lutos, os inícios e os recomeços

Há um tempo não lia crônicas, seja pela falta de hábito, seja por não me inserir em conversas sobre o Gênero. Assim, para me redimir dessa falta, li Vastidão, de Cristiana Rodrigues, publicado pela Editora Vasta. O livro foi um dos finalistas na categoria Crônica do Prêmio Jabuti de 2023. Uma conquista simbólica e relevante para o livro de estreia de uma autora independente.

Sobre Vastidão

O livro fala de diferentes episódios do amadurecimento feminino, desde a infância até o início da menopausa. Utilizando-se de uma linguagem poética para dizer e desdizer, explicitar e esconder, Cristiana conta histórias que vão e recuam no tempo. O que parece encerrado, volta; o que parece forte, esmorece; o que parece perdido, renasce. Em um horizonte de mortes, lutos, inícios e recomeços, a personagem aprende a ser vasta, a se reconhecer em si.

Uma personagem distanciada pelo tempo

Vastidão é um livro de crônicas distinto porque as histórias pessoais e do cotidiano são contadas na 3ª pessoa. Em algum momento da leitura, me senti confusa ao considerar que os textos estavam flertando com o gênero Conto. Isso porque, em geral, escreve-se Crônica na 1ª pessoa. Ainda, ela apresenta caráter não-ficcional, tornando-a uma expressão subjetiva do escritor-narrador acerca do mundo.

Segundo a escritora Noemi Jaffe, no livro Escrita em Movimento, uma das decisões mais importantes de um escritor é a escolha do foco narrativo, ou seja, a distância do narrador em relação aos acontecimentos. Sob esse ponto de vista, a autora inova. Pelo uso da 3ª pessoa, Cristiana cria um relativo distanciamento sobre essa personagem que age, lembra, sofre e cresce ao longo do tempo. Escolher esse tom narrativo sugere que, ao observar de longe a memória, ela possa adquirir outras nuances ou mesmo novas interpretações. O namoro da adolescência foi mesmo amor? O desejo pela aventura longe de casa era curiosidade ou fuga? Tem como desacomodar uma vida?

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Em Vastidão, o cotidiano que importa é o interno e sensitivo, os costumes observados são os domésticos e familiares. Como a “penseira” de Dumbledore nos romances de J.K. Rowling, Cristiana observa a vida com olhos e linguagem de escritora. Na leitura e expressão da autora, me habituei a acompanhar a personagem e desejei saber mais sobre ela. Talvez porque, ao lê-la, era como se lesse um pouco mais de mim mesma.

Taí uma boa (e nova) definição de Crônica. E, finalmente, voltei a me interessar por elas.

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