Supostamente, uma biografia também se apoia nessas questões para refazer as origens de uma vida. Mas esses mesmos caminhos, quando explorados literariamente, podem se transformar em perguntas existenciais. Neste romance chamado “Quando a inocência morreu”, Estrela Leminski mostra que, mais do que pesquisar o real, penetram no próprio significado da busca: ao mergulhar no passado, quando, onde, quem e por quê se tornam dúvidas sobre o agora, o eu e as motivações de uma busca tão absurda quanto inescapável.
Numa linguagem de estilos multifacetados – na mesma proporção da grandeza dessa procura, a autora parte, nesse romance inaugural, na direção de conhecer seus quatro avós desconhecidos. Cada uma dessas pessoas-personagens é abordada a partir de um estilo único, como se, para cada história, fosse necessário mudar os percursos da jornada. Afinal, além de descoberta, o passado é também uma invenção, coisa que Estrela faz questão de deixar claro para o leitor. Num procedimento de colagem, combinando técnicas cubistas, joyceanas e “estrelísticas”, “Quando a inocência morreu” paradoxalmente nos salva e nos devolve a uma inocência perdida.
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“Quando”, “onde”, “quem” e “por quê” são as perguntas fundamentais para reconstituir o que nos habituamos a chamar de “fatos”.
Se investigar o próprio passado inevitavelmente leva à consciência, Estrela Leminski leva leitor e personagens a brincarem, fazendo com que a inocência, que morre, também ressuscite.
“Click” é o som que, por exemplo, assinala os cortes do primeiro capítulo, podendo ser uma máquina fotográfica, o botão de uma lamparina, um trinco ou uma labareda, mas também o som do leitor prendendo a respiração. Em outro capítulo, é o tarô que fornece as cartas para localizarmos os porquês dessa busca. Depois de terminada a leitura, o desejo é recomeçar, mudando as combinações e embaralhando as cartas para encontrar nosso próprio passado, nessa busca que, se é de Estrela Leminski, também é de cada leitor.
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