“Puro”, de Nara Vidal: um passado eugenista que volta à tona das sombras da história brasileira

Denúncia corajosa das sombras históricas brasileiras: Puro de Nara Vidal revela a brutalidade da eugenia em um romance imprescindível

O novo livro de Nara Vidal, Puro, publicado pela Editora Todavia, é um romance de coragem. Ele percorre caminhos perigosos em tempos de dicotomia, retorno da extrema-direita no discurso político internacional e falta de interpretação. Ao ficcionalizar o não-ficcional passado eugenista brasileiro – inclusive presente na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934 –, a autora escancara um lado tenebroso da formação sociocultural brasileira.

Do que fala “Puro”?

No romance, as principais lideranças da fictícia cidade de Santa Graça desejam que o lugar se torne referência dentro do projeto nacional de “embranquecimento” populacional. O médico, o intelectual, o pároco, a enfermeira: todos acreditam que estão agindo de acordo com uma suposta filosofia de “aperfeiçoamento” da população local. As vítimas são as populações mais vulneráveis, como os negros, as crianças com deficiência, as mulheres pobres.

Nara Vidal não nos poupa da linguagem mais racista, misógina e capacitista possível. Por meio de uma estrutura ágil e precisa, que intercala ações e pensamentos dos diversos personagens do romance como se lêssemos as rubricas de uma peça teatral, somos convidados a mergulhar nas intenções controversas de quem valoriza a vida por meio da morte, quem busca a graça praticando o pecado, quem deseja a pureza sendo impuro.

O incômodo com a brutalidade da eugenia

Puro é um livro imprescindível, porém revoltante em decorrência do que grita. Muito do incômodo surge do nosso reconhecimento como parte de uma sociedade ainda pautada em raízes racistas e preconceituosas. Inclusive, algumas das falas incluídas no texto da autora são reconhecíveis de uma época em que a ofensa caminhava disfarçada pelas ruas como “piada” ou “senso comum”.

No livro A obrigação de ser genial, da escritora argentina Betina González (publicado no Brasil pela Bazar do Tempo com tradução de Rubia Goldoni e Sérgio Molina), a autora escreve que “a boa literatura (…) corre o risco do mal-entendido, do subentendido e da incompreensão.” Espero que Puro não caia na vala da incompreensão, pois é boa literatura. E, assim sendo, que se torne um vendaval sobre nossos fantasmas passados e, infelizmente, ainda presentes.

Sobre a autora:

Nara Vidal nasceu na cidade mineira de Guarani e é formada em letras pela UFRJ, com mestrado em artes e herança cultural pela London Met University. É autora dos romances SORTE (Moinhos, 3º lugar do prêmio Oceanos), EVA (Todavia, 2022, finalista do Prêmio São Paulo), entre outros.

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