“Ninguém Sai Vivo Daqui” (2024) relata horrores de um passado recente

Confira agora a crítica de “Ninguém Sai Vivo Daqui”, filme baseado no livro Holocausto Brasileiro

Um fenômeno da literatura, era questão de tempo até que o livro-reportagem “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex fosse adaptado para o audiovisual. A partir do livro desenvolveu-se um documentário e a série, por enquanto com uma temporada de dez episódios, do Canal Brasil “Colônia”, que agora foi reeditada e condensada, com a adição de cenas inéditas, e chega aos cinemas em formato de filme.

A palavra “Holocausto” se refere a um massacre ou extermínio, e está mais ligado ao extermínio premeditado do povo judeu pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, embora tenha havido outros holocaustos, como o mostrado no livro e filme que hoje analisamos. Assim como as vítimas judias, no Holocausto brasileiro as vítimas também chegavam ao local de expiação através de um trem. Ao contrário do Holocausto mais famoso, que vitimou milhões em poucos anos, o Holocausto brasileiro matou cerca de 60 mil pessoas ao longo de décadas, e deixou outros tantos marcados para a vida toda.

O Hospital Colônia de Barbacena era um depósito de indesejados. Estima-se que 70% dos que lá foram internados não padeciam de nenhuma enfermidade mental. Eram órfãos, mulheres que engravidavam sem serem casadas, amantes de gente importante, esposas abandonadas, homossexuais, pessoas com deficiência… a lista é enorme e revoltante.

A história do filme começa em 1971, quando Elisa (Fernanda Marques), uma jovem de 23 anos, grávida, é mandada para o manicômio com o diagnóstico de esquizofrenia apenas porque não aceitou se casar com um homem bem mais velho para “manter a honra da família”. Lá ela conhece Valeska (Andréia Horta), que foi enviada para o manicômio pelo amante, prefeito de uma cidadezinha e que visita Valeska constantemente com a eterna promessa de resgatá-la. Juntas, elas bolam um plano de fuga que é mal-sucedido e acarreta punições envolvendo eletrochoque.

Num ambiente literal e figurativamente sujo, comandado por corruptos e outras pessoas em nada preocupadas com os direitos humanos, a promoção da funcionária Laura (Naruna Costa) surge como uma luz no fim do túnel. É Laura que se compadece e promove o reencontro entre a paciente Wanda (Rejane Faria) e seu filho Ricardo (Samuel de Assis), nascido no manicômio e tirado da mãe ainda bebê. A benevolência de Laura não passa despercebida por Elisa, que agora vê espíritos de pessoas mortas, e a jovem pergunta: “o que você quer com a gente?”.

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“Ninguém Sai Vivo Daqui” me lembrou de outro drama em preto e branco sobre as agruras enfrentadas por pessoas em manicômios: o clássico e impactante “Na Cova da Serpente” (1948). Revolucionário na época em que foi feito, este filme que merece ser mais conhecido tem na performance da grande Olivia de Havilland seu ponto alto. Olivia fez uma minuciosa pesquisa de campo para o papel e o impacto do filme foi muito positivo: após a estreia, treze estados dos EUA aprovaram leis para aumentar a humanização no tratamento de pessoas internadas por doenças mentais. Além do tema, “Na Cova da Serpente” e “Ninguém Sai Vivo Daqui” se aproximam pela ampla pesquisa que foi feita na pré-produção.

O filme peca pela falta de foco. É óbvio que Elisa é a personagem principal, e ao redor dela surgem dramas paralelos que devem ter sido resolvidos cada um em um episódio da série. André Ristum, diretor e co-roteirista, por sua vez advoga que filme e série têm suas diferenças bem marcadas:

No filme, as coisas são mais concentradas. O longa acaba sendo mais impactante do que a série que vai aos poucos entrando naquele sofrimento, na dureza que é a vida dessas pessoas. É uma experiência totalmente diferente, outra proposta sonora e conceitual, outra forma de entrar na história. A gente chega nos pontos mais fortes bem mais rapidamente, e, também, tem cenas exclusivas que foram feitas só para o filme. Ambos contam a mesma história, mas quem for ver o filme vai encontrar uma história que, embora conhecida, é uma nova história pois conta de outra forma”.

A escolha de filmar em preto e branco foi conjunta de Ristum com o diretor de fotografia, Hélcio Alemão Nagamine. Eles consideraram a paleta de cores como mais um personagem e, além de apontar que é uma história que se passa no passado, o preto e branco está ali para declarar que não existe mais cor na vida de quem foi internado no Hospital Colônia. O clima é de filme de terror, e deve ser para que os absurdos que aconteceram não sejam esquecidos, e não se repitam.

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