“Pobres Criaturas”: Lanthimos viaja a períodos históricos em busca de liberdades possíveis

O que se esperar do Yorgos Lanthimos? ABSOLUTAMENTE TUDO! Qualquer coisa que seja irreverente, político, provocativo e que desafia o senso comum. Ainda mais em um filme como Pobres Criaturas.

Yorgos Lanthimos é um diretor grego responsável por obras como “Dente Canino”, “O Lagosta”, “O Sacrifício do Cervo Sagrado” e “A Favorita”. E conhecendo sua filmografia sabemos que podemos esperar excelência, para dizer o mínimo.

Depois do hiato de cinco anos do lançamento de “A favorita” , Yorgos lança “Pobres criaturas”. Um projeto, que segundo ele, teve início há quinze anos atrás quando se encontrou com o autor do livro “Pobres Criaturas”, Alasdair Gray e pediu licença para levar essa história para o cinema. Gray autorizou, mas avisou que outras produtoras tiveram essa intenção e não foram em frente por ser muito controverso.

Ou seja, prato cheio para Yorgos. Neste momento Yorgos estava lançando “Dentes Caninos” e sua fama permanecia ali no circuito grego. Foi com “A Favorita” que tomou notoriedade e ousou levar para frente.

Pobre Criaturas é uma distopia que basicamente fala sobre uma jovem que comete suicídio estando grávida e é ressuscitada por um cientista, bem a la Frankenstein de Mary Shelley. Mas diferente do livro homônimo que não segue uma cronologia linear e apresenta vários núcleos de personagens, o filme acompanha a trajetória da protagonista Bella (interpretada magistralmente por Emma Stone).

Sinto que o filme não se encaixa em nenhum gênero, ele é uma miscelânea heterogênea que funciona perfeitamente. Quanto ao enredo, Lanthimos aborda diversos temas que estão explícitos e que são de fácil digestão, como o papel da mulher na sociedade, a ética científica, o conceito de liberdade e a relação de público versos privado. Tudo com um humor refinado e diálogos afiados e inteligentes.

Lanthimos propõe uma desconstrução do que conhecemos como sociedade e isso não é novidade já que ele aborda isso em praticamente em todos os seus filmes. Aqui a personagem simboliza a ideia de alguém completamente livre que questiona a sociedade como um todo enquanto desconhece a sua própria origem. A obra mistura os períodos históricos e estilos que fica evidente no cenário e no figurino. Bella veste vestidos da era Vitoriana com botas dos anos 60.

Leia também: Crítica | A Favorita é obra-prima profunda sobre mulheres numa corte perturbadora

Como disse a figurinista Holly Waddington para a Vogue Britânica “Eu sabia que Yorgos não queria que isso parecesse um filme de ficção científica ou de época, qualquer coisa como renda, miçangas ou bordados parecia absolutamente errada”. Então, ao longo do desenvolvimento de Bella, do que remete a infância à descoberta da sexualidade e a vida adulta vemos os figurinos bem marcados, exagerados, reforçando a ideia de que Bella é uma mulher à frente de seu tempo.

Todo figurino que Emma usa no filme ressalta sua característica impulsiva, latente, de comportamento expansivo, desinibida e nada nada nada “polida”.

Impossível assistir ao filme e não se deslumbrar com a beleza visual e sonora. Visual por conta do diretor de fotografia Robbie Ryan (você deve conhecer de “A Favorita”, “Sempre em frente” , “Histórias de um Casamento” e entre outros) que usou de lentes grande angulares que distorciam os cenários dando a conotação no tom certo do roteiro, assim como a escolha do preto e branco e a textura no início do filme que demonstra a “prisão” que Bella vive.

São nítidas as referências do Expressionismo Alemão, tanto nas cores, sombras, e claro, trilha sonora. A cenografia, figurino, fotografia e som estão simbióticos ao enredo, desta forma, quando vamos para uma nova etapa do roteiro tudo anda junto e não sentimos desfalques. O filme é dividido em cinco partes, nomeadas pelos lugares que Bella visitou, explorou, se aventurou e se irrompeu até fechar o ciclo e voltar ao início, agora em cores.

A cenografia dedicada demonstra também essas fases do arco da personagem de uma forma tão perfeita que é possível ficar horas e horas admirando cada detalhe de todos os cenários. Um exemplo que me apeguei foi a cadeira que Bella usa para se sentar à mesa de jantar enquanto passa pela fase da infância. É diferente de todas as outras da mesa, parece uma cadeira para bebê, mas como é gigante, deixa Bella minúscula sentada nela. Ao contrário dos filmes que Yorgos normalmente faz que em sua maioria tem cenas que algumas pessoas não aguentam assistir, tapando ouvidos ou olhos, esse é o filme mais palatável.

No entanto, não tem como ser neutro diante de Pobres Criaturas, ou você ama ou você odeia. Ainda falando sobre a cenografia, (que aqui, acredite é extenso e não tem como eu abordar tudo em um texto sem você, caro leitor, se irritar comigo) é possível ver também influências diretas do cinema de Meliés, o lúdico extremamente trabalhado e coeso. Finalizo este breve texto que desmerece a obra em questão elogiando a atuação impecável de Emma, Dafoe e Ruffalo, cada qual em seu papel bem desempenhado e crível,

Não é a toa que durante a temporada de premiações, venceu os prêmios de Melhor Filme de Comédia ou Musical e Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical para Emma Stone no Globo de Ouro. A atriz também saiu vencedora do Critics’ Choice Awards, que indicou o filme em 13 categorias. Por fim, o BAFTA Film Awards, que acontece em 18 de fevereiro, também destacou Pobres Criaturas em 11 categorias.

Além do Oscar que o longa está nas categorias de Melhor Filme, Melhor Atriz para Emma Stone, Melhor Ator Coadjuvante para Mark Ruffalo, Melhor Direção para Yorgos Lanthimos, Melhor Roteiro Adaptado para Tony McNamara, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Design de Produção, Melhor Edição e Melhor Fotografia.

Então sim, o filme merece ser visto nos cinemas. Estreia dia 01 de fevereiro, bom filme!

Veja o trailer do filme aqui:

Related posts

Ambição, Poder e Destino: Anakin Skywalker, o Macbeth de Star Wars?

“Frozen”, arromanticidade e assexualidade: como Elsa se tornou um ícone da comunidade aro-ace

“Fernanda Young: Foge-me ao Controle” (2024): documentário transforma escritora em poesia