“A Escola da Carne” e Mishima, o homem de dois mundos

Em 25 de novembro de 1970 saia no Jornal Folha de São Paulo:

“Yukio Mishima, o mais brilhante escritor japonês da nova geração, praticou ontem o “hara-kiri” no quartel-general das Forças Armadas, em Tóquio, depois de ter dominado o general Kanetoshi Masuda, a quem pedira audiência, e procunciado um discurso ante os dois mil soldados da guarnição.
(…)
Mishima anunciara que punha fim à vida em sinal de protesto contra a Constituição japonesa, que impede o rearmamento do país. Antes do “hara-kiri”, o escritou gritou: “Viva o imperador.”

Um fim performático para uma vida performática.

Quem foi Yukio Mishima?

Yukio Mishima, pseudônimo de Hiraoka Kimitake, nasceu em 1925, ou seja, cresceu durante o reinado do Imperador Hirohito (1901-1989) e experimentou tanto o auge do ultranacionalismo japonês pré Segunda Guerra Mundial, com todo seu militarismo e conservadorismo, quanto o período após a rendição do Japão, em 1945, no qual há uma aproximação com os valores capitalistas e ocidentais. Podemos dizer então que o autor viveu em dois mundos em contraste, e com a maturidade acabou aproximando-se de uma visão política mais tradicional e de direita, saudosista de um passado glorioso de samurais virtuosos e guerreiros.  

Porém, aqui em “A Escola da Carne”, de 1963 e traduzido para por português por Jefferson José Teixeira, ele inverte essas crenças, integrando posições que vão de encontro às suas. Mulheres divorciadas, homossexualidade e transexualidade fazem parte de uma narrativa que espelha esse Japão em efervescência, em transformação, e que ainda tateia seus desejos e movimentos para o futuro.  

“Durante a Segunda Guerra Mundial, três japonesas abastadas divertiram-se como quiseram, enquanto seus maridos deviam ter assuntos masculinos, econômicos e bélicos em que pensar. Passado o conflito, elas, agora divorciadas, donas de si e de negócios próprios, e ainda em busca de diversão, encontram-se com frequência para comentar suas aventuras, sobretudo as amorosas. 

Através de uma história aparentemente banal, da relação entre Taeko, uma dessas mulheres, e Senkichi, um rapaz que se muda para Tóquio e tenta melhorar de vida, Yukio Mishima produz com A escola da carne um romance que reflete a “confusão do pós-guerra”. 

Taeko é estilista, elegante e bem-sucedida; já Senkichi vive na grosseria, embora saiba apresentar-se também com gentileza, bom arrivista que é. Ambos têm em comum o contato com o mundo ocidental: ela pela high society, ele por receber clientes estrangeiros no bar gay em que trabalha. Senkichi, no entanto, jamais quis aprender inglês, como era comum a seus colegas, porque “era nacionalista nesse sentido e […] mostrava arrogância e mantinha-se calado”. 

Nessa relação inédita entre pessoas de diferentes classes sociais dentro de uma nação atordoada pela guerra e conflituosa quanto a que direção tomar, estão borradas e movediças as estipulações de quem ensina e quem aprende.”

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Mishima foi um homem de dois mundos e que os refletia em sua vida e obra, misturando vida e arte, encenação e ação. 

Leia alguns trechos do livro

“Vestiu um tailleur Chanel de lã aeradas com debruns em cetim preto sobre uma blusa de seda tailandesa azul-acinzentada, um colar e um bracelete de pérolas negras, luvas Perrin de couro cinza, longas até os cotovelos, e um anel de diamante. Bolsa de mão em metal prateado com sapatos de saltos baixos em verniz preto. Borrifou o perfume Black Satin combinando com o tecido de sua roupa e pôs sobre os ombros uma estola de vison prateado.” (p.11)

“Taeko, educada desde pequena ao estilo ocidental, nunca saíra à rua acompanhada de um homem que usasse tamancos. Seu ex-marido sempre calçava meias mesmo nos passeios à beira-mar durante o verão.

Todas as ilusões que criara em relação ao encontro daquele dia se despedaçaram, e quando Taeko pensava ter perdido o jogo antes mesmo de começar, Senkichi se sentou na cadeira em frente a ela de pernas bem aberta.— E aí, esperou muito? — perguntou ele de súbito.” (p.38)

“Abraçados, tombaram sobre a cama.

O que se iniciou então foi algo de uma misteriosa elegância. Emanava de todo o corpo de Senkichi um encanto carnal raro nos rapazes de fina estirpe. De início, Taeko manteve-se insensível e, apesar de vir à tona seu péssimo hábito de fazer comparações a experiências passadas, aos poucos pôs isso de lado e , ao atingir o clímax, todas as comparações foram esquecidas.” (p.69)

Ficha técnica

Título: A Escola da Carne
Autor: Yukio Mishima
Tradutor: Jefferson José Teixeira
ISBN: ‎ 978-65-86068-79-5
Formato: 14×21 cm / 256 páginas
Valor: R$ 75,00

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Referências:

https://www.britannica.com/biography/Yukio-Mishima

https://periodicos.ufes.br/agora/article/view/5038/3804

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