“Na água”, de Hong Sang-soo: quando a gente some num mar desfocado

Sem foco literalmente e simbolicamente, os personagens de Na Água ajudam a construir um dos filmes mais melancólicos de Hong Sang-Soo

É reduzir muito dizer que certos filmes existem para uma cena só, mas não dá  para não perceber o quanto o truque incômodo que o diretor Hong Sang-soo usa em Na água faz o filme crescer em seu último momento. Quando a falta de foco funde os elementos distantes. Fazendo com que personagens sejam absorvidos por cenários. O que acontece. Emocionalmente, literalmente, esteticamente. 

Mesmo antes disso, a indefinição da imagem materializa pelo lado óbvio a indefinição desse protagonista. Sem querer ofender ninguém com essa comparação, remete diretamente ao personagem de Robin Williams em “Desconstruindo Harry, de Woody Allen. O foco como simbólico e como literal ao mesmo tempo. Para falar de um personagem que não consegue se situar de forma sólida e definida. 

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Nos diálogos, tudo soa muito similar com O filme da escritora, exibido na Mostra Passada. A melancolia, a falta de sentido na vida, a crise criativa. Até a estrutura do vai e vem dos mesmos cenários. Mas aqui o que grita mais é como tudo parece ser sobre idealizações e “desidealizações” da realidade por um viés desiludido. Como se os personagens de fato nunca conseguissem acessar o mundo ao seu redor. Como se os lugares fossem mais conceituais que reais. 

Nessa lógica, as imagens do beira mar de turistas na areia parecem algo como um cartão postal ou, sendo mais esnobe, uma pintura de Monet. Como algo que deveria estar no fundo da cena. Como uma visão menos naturalista e mais impressionista. 

E daí talvez venha a principal diferença entre o uso do foco em Desconstruindo Harry e em Na Água. Porque se lá a piada era sobre um personagem que parecia deslocado daquele mundo, indefinido, sem rumo. Aqui, o drama é, apesar de ser mais ou menos o mesmo, situado em um ambiente que também está perdido em um limbo entre a difusão de luz e a materialidade. Pessoas instáveis em um mundo quase etéreo.

Os filmes de Hong, afinal, lidam muito com seus personagens mas também com o aspecto comum e social. Desta vez, só um deles some num mar desfocado. Mas não quer dizer que os outros não estejam sujeitos à mesma coisa.

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