“Atos Humanos”, de Han Kang: os fantasmas dos que se foram e dos que ficaram

“Atos Humanos”, Han Kang. Tradução Yi Yun Kim. Todavia, 2021.

Em 1980, a Coréia do Sul vivia sob uma ditadura militar que sufocou violentamente um protesto de estudantes e da população civil na cidade de Gwangju. Pessoas foram alvejadas e mortas pelas ruas à luz do dia, outras foram mantidas em centros de tortura enquanto corpos eram jogados em valas comuns. A quantidade de mortos é incerta diante da discrepância entre os números oficiais e não oficiais. Foi um verdadeiro massacre pelo qual o ditador Chun Du-whan morreu aos 90 anos sem jamais ter sido punido. Uma ferida aberta, um evento histórico que ao mesmo tempo está no passado, no presente e no futuro, constantemente não encerrado.

É nesse acontecimento que Han Kang se baseia para desenvolver uma ficção com vozes que viveram o horror, que foram privadas de dignidade, vozes que nos conduzem menos pelo fato histórico e mais pelas sensações, pelas ausências e pelos silêncios.

Sendo que o peso dessas vozes ficou ainda maior depois de entender como a tradutora do livro, a professora Ji Yun Kim, fez para mantê-las. No primeiro capítulo, por exemplo, ela usa o “tu” como tradução para 너(neo), para causar estranhamento e demonstrar certa intimidade e diferença de idade entre o narrador e o menino sobre o qual o título em coreano fala, pois o original não é “Atos Humanos”, mas sim “(O) Menino vem”.

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Esse menino, Dongho, é o fio condutor, pois todas as outras vozes têm uma ligação com esse que é o personagem mais jovem. Então é através dessas vozes que o menino vai se eternizando ao longo do texto para ao final não ser mais apenas ele, mas todos. Há também um cuidado em manter o não dito, espaços que conduzem a complexidade que as experiências vividas pelos personagens carregam, os traumas, a culpa e etc.

Atos Humanos é um livro belíssimo e doloroso na mesma proporção. Uma forma de honrar os fantasmas dos que se foram e dos que ficaram enquanto se investiga a humanidade e a brutalidade que parece sempre nos acompanhar. Impossível não lembrar os nossos próprios fantasmas, a nossa própria história como nação, mas com a esperança de que apesar de tudo, a gente sempre consiga ir “pro lado das flores”.

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