“Mil Placebos”: romance investigativo discute os impactos psíquicos da tecnologia

“Mil Placebos”, do escritor gaúcho Matheus Borges, abre uma discussão sobre tecnologia, violência, depressão e solitude; obra conta com orelha assinada por Daniel Galera

E se o  ‘homem do subsolo’ de Fiódor Dostoiévski tivesse acesso aos fóruns do 4chan? E se Edgar Allan Poe, na hora de conceber suas novelas policiais, tivesse acesso aos futuros psicopatológicos que povoavam a mente de J. G. Ballard? E se nada disso fosse necessário, pois o capitalismo alienante e o submundo tecnológico estivessem levando, agora mesmo, jovens a percorrerem o percurso trágico da solidão do espírito à desagregação mental, culminando em atos de violência impensável?

São questões levantadas pelo escritor Daniel Galera na orelha do livro “Mil Placebos” (Uboro Lopes, 192 pág.), obra de estreia do gaúcho Matheus Borges (@matheusmedeborg). Mescla de neo-noir, ficção científica e o ensaio acadêmico, a obra traça uma investigação psíquica do capitalismo tardio ao analisar os impactos da internet e da tecnologia nas relações afetivas. “Fala de solidão e atomização social, de como os processos que organizam o mundo também são capazes de afetar nossa cognição”, completa o autor, que ressalta como a estrutura da obra foi pensada de forma a ir e voltar no tempo, “quase que replicando a disposição que um algoritmo dá a uma timeline de rede social”, o que justifica a hibridez de gêneros adotada no livro.

“Um thriller paranoico, um mistério repleto de pistas falsas, um suspense ciber-messiânico”

“Queria com ‘Mil Placebos’ explorar os efeitos psíquicos do contato prolongado com o tráfego de informações, as relações humanas mediadas por interfaces eletrônicas, de que maneira isso se relaciona com a realidade em si”, diz o autor a respeito dos temas centrais da obra. Em tempos de fóruns e chans ganhando relevância no debate público após a ascensão da nova extrema-direita, também viu como necessidade pensar a manipulação dos espaços de discussão. 

Um thriller paranoico, um mistério repleto de pistas falsas, um suspense ciber-messiânico. Assim Matheus define seu próprio livro, cuja trama gira em torno de um personagem que adota “Eyeball Kid” como nickname em redes sociais e fóruns online. Com vínculos sociais frágeis na “vida real”, ele se apaixona por uma jovem nas redes que se identifica como “Jersey Girl” e que acaba comentendo suicídio logo no começo da história. Eyeball Kid decide então investigar as razões da morte, caindo numa longa, intensa  e violenta espiral de acontecimentos incomuns.

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Sobre o autor:

Nascido em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, em 1992, Matheus Borges é formado no curso de realização audiovisual da Unisinos e egresso da oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil, realizada na PUC/RS. Suas histórias já foram publicadas em revistas literárias brasileiras e no exterior, bem como em coletâneas e antologias. No cinema, atuou como roteirista em “A Colmeia”, longa-metragem vencedor de cinco prêmios na edição de 2021 do Festival de Cinema de Gramado. Atualmente, Matheus está desenvolvendo seu projeto de mestrado e trabalhando numa compilação de contos. Junto com “Mil Placebos”, ele trabalhou simultaneamente em outro romance, concluído logo em seguida. Ambos devem ser publicados em breve. 

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