5 motivos para ler “Um amor de filha”, de Hanaide Kalaigian

Nem todo livro é uma viagem, mas todo bom livro é um tipo de viajar. Digo isto porque acabei de terminar um livro que me fez embarcar em mundo que me parecia tão conhecido ao princípio, mas que foi se revelando especialmente curioso, diverso, complexo e rico conforme ia adentrando a leitura. Trata-se do romance “Um amor de filha”, da escritora paulista de origem armênia Hanaide Kalaigian, publicado aqui no Brasil pela editora Autêntica Contemporânea.

E de tantas curiosidades que este livro me despertou, eu resolvi montar uma matéria sobre ele em que traço alguns pontos relevantes que me foram aparecendo no decorrer da leitura. Vamos lá?

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Conhecer a cultura armênia

O livro conta a história de Meliné, uma mulher de origem armênia. Grande parte do livro gira em torno da influência desta cultura na vida da protagonista e, talvez, este seja o mais relevante na obra. Meliné cumpriu todas as expectativas que sua família e “sua ancestralidade” esperava dela, casando-se com o homem recomendado e criando sua filha Aline.

O interessante da obra é que enquanto Meliné passa pelos percalços da vida, vamos acompanhando as tradições, as novidades, as culturas, as comidas, as reuniões familiares, as artes e todo o pensamento da diáspora armênia aqui no Brasil. Além disso, Hanaide deixa também a gente entrar em contato com traumas sofridos pelo seu povo, como na ocasião da invasão do Império Turco-Otomano que culminou no chamado genocídio armênio durante a Primeira Guerra Mundial.

“Um amor de filha”, por mais que trate de diversas questões, é, antes de tudo, uma celebração e uma revisão da influência da cultura armênia da vida contemporânea de seus descendentes.

Questões sobre a mulher

Um dia, a filha de Meliné recebe um telefonema alarmante. Sem saber o que é, a protagonista começa a fantasiar mil coisas em sua mente. Diante da dúvida, um abalo sísmico atinge Meliné que começa a escavar o seu passado em busca das respostas para o seu presente. Acaba por descobrir que seu marido possuía duas famílias durante décadas e que havia decidido morar com a outra família, deixando-a.

Incapaz de lidar com essas mudança repentinas, Meliné mergulha em suas origens procurando se abrigar nas lembranças e particularidades da cultura armênia – costumes, uma língua própria, os pratos típicos da culinária – e nas vozes das mulheres, todas como ela.

Uma obra, então, que vai refletir sobre questões de gênero, principalmente das mulheres, em suas expectativas e impossibilidades, refletindo os papéis sociais dela, de sua filha Aline e de seu lugar no mundo quando o seu papel é deslocado da tradição, ainda que contra sua vontade.

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Relação entre mãe e filha

Um outro ponto muito interessante e relevante de “Um amor de filha” é a forma como Kalaigian retrata a relação entre Aline e Meliné. Sendo mulheres de duas gerações distintas, Aline já não está apegada às tradições da comunidade armênia, embora tenha orgulho de fazer parte desta comunidade. Enquanto isso, sua mãe se debate entre o desejo de ver a liberdade da filha e não vê-la repetir os mesmos erros que cometeu, e os desejos embutidos nela de ver a filha no “caminho certo” da tradição.

Aline, inclusive, passa a estudar a cultura armênia para tentar, de um viés feminista, compreender o papel da mulher na sua própria comunidade. Sua mãe, porém, prefere refugiar-se em seu passado, suas lembranças e memórias guardadas em um ateliê nos fundos da casa.

Uma autora brasileira contemporânea

Giorgio Agamben já havia falado que o contemporâneo é uma espécie de sombra em seu tempo. Isso significa dizer que o contemporâneo é aquilo que, por não se ajustar ao seu próprio tempo, está contra, antes e depois do tempo, e que precisa ser escavado. A Autêntica contemporânea tem feito isso com maestria e mais uma vez acerta na obra de Hanaide Kalaigan.

A autora, Hanaide Kalaigian nascida em São Paulo, em 1962, está estreando na literatura com Um amor de Filha, obra já tão potente e seminal, uma vez que alia uma tradição literária com questões relevantes para a contemporaneidade. Ao adotar uma forma mais tradicional de narrar, também, Kalaigan retoma uma tradição atemporal de boas contadoras de histórias.

Um glosário complementar

Este último ponto é mais uma curiosidade. No fim do livro, a edição fez questão de colocar uma espécie de glossário com tradução dos termos armênios usados no decorrer da obra. Além disso, possui também umas notas explicando momentos políticos relevantes para a compreensão da obra e até, veja só, dicas de culinária armênia. Incrível, né?

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