‘Os Heraclidas’, ‘Hipólito’ e mais: Eurípedes ganha edição de suas obras menos conhecidas

Eurípedes e suas obras são consideradas as mais bem acabadas obras das tragédias gregas. O seu nome está ao lado de grandes dramaturgos gregos, como Ésquilo e Sófocles, autores grandes peças que são clássicos da literatura mundial. A Editora 34 dá prosseguimento à edição bilíngue do Teatro completo de Eurípides com estudo e tradução de Jaa Torrano, reunindo neste segundo volume as tragédias Os HeraclidasHipólitoAndrômaca e Hécuba, conforme a cronologia consensual das peças que nos chegaram.

O crítico Otto Maria Carpeaux já observou que, nas peças de Ésquilo, os heróis representam coletividades, enquanto, nas tragédias de Eurípides, quem fala, age, vive e padece são, acima de tudo, indivíduos que se manifestam “em oposição sistemática contra as ordens estabelecidas”. Talvez esteja aí uma das chaves do páthos e da permanência da obra euripidiana, que continua a comover e a interrogar seus leitores cerca de 25 séculos depois de ter sido criada.

A editora 34 lança agora as obras de Eurípedes: Os HeraclidasHipólitoAndrômaca e Hécuba, representadas nos concursos trágicos de Atenas entre 430 e 424 a.C. aproximadamente — e que constituem o segundo volume do Teatro completo de Eurípides em edição bilíngue, na qual cada peça é acompanhada por um estudo introdutório do tradutor.

Sobre as obras de Eurípedes:

Na orelha do livro, Beatriz de Paoli, do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ conta um pouco sobre cada uma das peças. Confira:

Heraclidas


Em Os Heraclidas, os filhos órfãos de Héracles, guiados pelo antigo escudeiro do pai e pela avó paterna, estão refugiados junto ao altar dos Deuses na cidade de Atenas, suplicando por asilo político, perseguidos pelo rei de Argos, Euristeu, velho inimigo que outrora impusera a Héracles os doze trabalhos. O rei de Atenas, Demofonte, é chamado para decidir se daria asilo aos suplicantes, o que provocaria uma guerra com os argivos, ou negá-lo, o que seria uma impiedade, porque os refugiados junto ao altar eram considerados hóspedes do Deus.

Impõe-se ao rei de Atenas essa difícil decisão entre a provável guerra ou a inaceitável impiedade. No entanto, outra decisão se impõe aos suplicantes Heraclidas, a de aceitar ou não o autossacrifício da jovem Macária, o qual segundo os oráculos garantiria a vitória dos atenienses sobre os argivos e a consequente salvação dos Heraclidas. Dentre as obras de Eurípedes, esta é aquela em que as personagens se veem entre as decisões humanas e o curso dos acontecimentos, na busca pela justiça se apresenta e se desenvolve colocada nos termos do pensamento mítico grego tradicional.

Hipólito

O personagem título na tragédia Hipólito é filho do rei de Atenas, Teseu, e cultua a Deusa virgem Ártemis, recusando-se a prestar culto a Afrodite, o que ofende esta Deusa e provoca sua ira. Para se vingar, Afrodite inspira em Fedra, madrasta de Hipólito, uma violenta paixão pelo enteado. O desenrolar da trama põe em questão os limites da virtude, a sedução da hýbris compreendida como desmedida humana e a problemática justiça dos Deuses, que se revela na sucessão dos fatos.

Leia também: “Fragmentos completos”, os escritos de Anacreonte, o poeta lírico da Grécia antiga

Andrômaca

Em Andrômaca, confrontam-se Andrômaca, a viúva de Heitor, agora como cativa de guerra concubina de Neoptólemo, e Hermíone, a sua esposa legítima, que a acusa de lhe causar infertilidade com drogas secretas. Ameaçada de morte pela rival, Andrômaca oculta o seu próprio filho e se refugia no templo de Tétis, enquanto Neoptólemo se encontra em Delfos para pedir perdão ao Deus por lhe ter imputado a morte do pai Aquiles na guerra de Troia. Em favor de Andrômaca, fala o antigo rei Peleu, avô de seu filho, contra o ataque do rei Menelau, que vem em defesa da filha Hermíone.

O debate entre ambos expõe tanto a rivalidade política entre Atenas e Esparta quanto a questão da justiça nos fluidos termos do pensamento mítico. A inesperada chegada de Orestes, primo e antigo pretendente de Hermíone, ressalta a obscuridade das vias pelas quais se mani festa a justiça como desígnios divinos, ainda que incompreensíveis aos mortais.

Hécuba


A rainha Hécuba, na tragédia homônima, encontra-se cativa do vitorioso rei Agamêmnon após a queda de Troia e assim se confronta primeiro com a imposição do sacrifício de sua filha Políxena ao túmulo de Aquiles e depois com a descoberta do cadáver de seu filho Polidoro, assassinado por seu hospedeiro Polimestor, a cuja guarda fora confiado.

Como aceitar a fatalidade inelutável dos Deuses e, na condição de escrava, ainda se vingar da injustiça cometida por um rei? Na elaboração da vingança perpetrada por Hécuba revelam-se as noções mítica e política de justiça, integradas na prática tradicional da vingança e na justiça administrada pelas autoridades judiciárias na perspectiva da democracia ateniense.

Os estudos e traduções de Jaa Torrano, integrados e solidários, têm como fio condutor a noção mítica de justiça e a unidade de visão de mundo presentes nas obras de Eurípides.

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Sobre a reunião das obras de Eurípedes:

Eurípides, Teatro completo, estudos e traduções de Jaa Torrano:
Vol. I: O CiclopeAlcesteMedeia (2022)
Vol. II: Os HeraclidasHipólitoAndrômacaHécuba (2022)
Vol. III: As SuplicantesElectraHéracles (a sair)
Vol. IV: As TroianasIfigênia em TáuridaÍon (a sair)
Vol. V: HelenaAs FeníciasOrestes (a sair)
Vol. VI: As BacasIfigênia em ÁulidaReso (a sair)

Sobre o autor:
Eurípides nasceu por volta de 480 a.C. na ilha de Salamina, filho de Mnesarco, um proprietário de terras. Junto com Ésquilo e Sófocles foi um dos três grandes autores da tragédia clássica grega. Sua estreia num concurso teatral ocorreu em 455 a.C., ano da morte de Ésquilo. Das 93 peças que lhe são atribuídas, chegaram até nós dezenove, oito das quais datadas com precisão: Alceste (438 a.C.), Medeia (431 a.C.), Hipólito (428 a.C.), As Troianas (415 a.C.), Helena (412 a.C.), Orestes (408 a.C.), Ifigênia em Áulis e As Bacantes (405 a.C.). Três delas foram representadas postumamente em Atenas: Ifigênia em ÁulisAlcméon em Corinto e As Bacantes. Morreu em 406 a.C., na Macedônia, para onde teria se transferido a convite do rei Arquelau.

Sobre o tradutor:
José Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) nasceu em Olímpia, SP, em 1949. Após morar em Orindiúva e Catanduva, mudou-se para São Paulo em 1970, onde lecionou português e filosofia em curso supletivo, fez a graduação em Letras Clássicas (Português, Latim e Grego) na Universidade de São Paulo entre 1971 e 1974, e tornou-se auxiliar de ensino de Língua e Literatura Grega na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em 1975. No Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas desta universidade defendeu o mestrado em 1980, o doutorado em 1987 e a livre-docência em 2001. É autor de livros de poesia e de ensaios, e publicou traduções de Hesíodo, Platão, Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Desde 2006 é professor titular de Língua e Literatura Grega na Universidade de São Paulo.


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