“Cabra marcado para morrer”: roteiro original de Eduardo Coutinho vira livro gratuito

IMS publica roteiro original do filme Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho, em versão ebook gratuita. A publicação estará disponível, para livre acesso

Um dos principais filmes do diretor Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer tornou-se um clássico do cinema brasileiro. O público poderá acessar gratuitamente o roteiro do projeto original de 1964disponível em ebook no site do Instituto Moreira Salles. Organizada e comentada pelo crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos, a publicação foi digitalizada a partir de uma fotocópia do datiloscrito original. O clássico sobreviveu à passagem do tempo entre os guardados de Coutinho.

O roteiro original do filme integra o acervo de Coutinho, que, desde 2019, está sob a guarda do IMS. São mais de 1.200 itens, entre cadernos com anotações, decupagens de filmes, roteiros de projetos que nunca saíram do papel. Isso sem contar com objetos, correspondência e fotografias que ajudam a entender como o diretor concebeu e construiu sua obra ao longo de sua carreira.
 

Junto ao roteiro original, a publicação, lançada em versão digital pelo IMS, traz um ensaio do organizador Carlos Alberto Mattos. O livro contém também imagens históricas das filmagens e dos seus protagonistas, além de um breve histórico do projeto. Na parte do roteiro original, junto ao texto datilografado à máquina, o público encontra anotações feitas à mão por Coutinho. E, claro, sua letra tão característica e quase indecifrável.

Como foi filmado Cabra marcado para morrer?
 

Cabra marcado para morrer começou a ser rodado por Coutinho em 1964. A ideia original era realizar uma reconstituição ficcional da ação política que levou ao assassinato do líder camponês paraibano João Pedro Teixeira. No filme, os camponeses interpretavam suas próprias vidas, num recurso similar ao utilizado pelo neorrealismo italiano. Tratava-se de um projeto do Centro de Cultura Popular da UNE, com verba do Ministério da Educação. Além disso, obteve apoio logístico do Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (MCP), criado em 1960, na primeira gestão de Miguel Arraes na prefeitura do Recife.


No entanto, com o golpe civil-militar de 31 de março, as forças militares cercaram a locação no engenho Galileia, em Pernambuco, e paralisaram as filmagens. Dezessete anos depois, em 1981, Coutinho retomou o projeto e procurou Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, e outros participantes do filme interrompido. O tema central passou a ser a história de cada um deles. Estimulados pela filmagem e revendo as imagens do passado, eles elaboram para a câmera os sentidos de suas experiências. Lançado em 1984, o filme se tornou um clássico do documentário brasileiro, unindo as memórias de momentos distintos da história do país.

Fotograma do filme Cabra marcado para morrer.


 O ebook agora disponível no site do IMS apresenta o roteiro do que seria o filme se concluído na década de 1960. No total, Coutinho conseguiu filmar 40% do roteiro. O material passou alguns anos guardado na garagem do pai do cineasta David Neves, um general do Exército. Mais tarde, os copiões foram depositados na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro sob o título-disfarce de Rosa do Campo. Em 1981, foram retomados para as filmagens definitivas de Cabra marcado para morrer.

O que diz Carlos Alberto Mattos?


 A publicação do roteiro original permite analisar as diferenças entre o projeto inicial e o resultado final do filme. Segundo Carlos Alberto Mattos, o acesso ao material possibilita:

“um exame mais detido das intenções esboçadas e do modelo narrativo adotado no filme interrompido pelo golpe civil-militar.

Ele conta que:

“Da mesma forma, à luz do roteiro e do que chegou a ser filmado, é possível também analisar o uso que se fez daquele material na montagem final do filme, na década de 1980. Para isso, resumimos um pequeno histórico do projeto, desde o engajamento de Coutinho na UNE Volante, em 1962, até a montagem final realizada por Eduardo Escorel entre 1981 e 1983.”

Mattos também ressalta a singularidade do filme e sua importância para a história do cinema brasileiro:

“O maior clássico do documentário brasileiro se organiza como um cotejamento constante entre duas épocas. Vale dizer, entre dois momentos bastante diferentes tanto em matéria de situação política brasileira quanto no que se refere aos modelos cinematográficos postos em prática. O Cabra/64 e o Cabra/84 divergem em quase tudo, mas o segundo depende fundamentalmente do primeiro para existir, já que é, ao mesmo tempo, o seu resgate e o seu contraponto […] Se o Cabra/64 era fruto da vontade de um grupo (o CPC) de expressar a vivência popular, o Cabra/84 era o desejo de um homem (Coutinho) de se abrir para essa vivência propriamente dita.”
 

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