“Um temporada no inferno”: romance reescreve história de Lima Barreto em hospício

No ano do centenário de morte de Lima Barreto (1881-1922), a editora Malê lançará “Uma temporada no inferno”. O personagem do romance de Henrique Marques Samyn volta para reescrever a história no hospício onde Lima esteve em dois períodos, na Urca.  Foi na segunda internação, entre o Natal de 1919 e fevereiro de 1920, que ele fez as anotações publicadas posteriormente como “Diário do hospício” e que serviram de base para “O cemitério dos vivos”, um romance inacabado. 

“E se alguém fizesse da tarefa de concluir essa obra a missão de vida? E se a pessoa fosse um homem que, movido por essa obsessão, chegasse a se internar, seguindo os passos de Lima? E se esse homem, sendo negro, acabasse preso nas redes do racismo e da violência manicomial? Esse é o enredo. A narrativa compila os fragmentos deixados pelo enigmático personagem, dialogando com os escritos de Lima e incorporando ampla documentação histórica, extraída de relatórios, textos científicos e periódicos da época”, explica Henrique Marques Samyn.

Professor associado do Instituto de Letras da UERJ, Marques Samyn diz que o narrador-protagonista funciona como uma alegoria da condição do povo negro no Brasil. É o desejo de tornar-se “alguém” que faz com que desenvolva a obsessão pelo autor de “Policarpo Quaresma”, ao perceber traços biográficos em comum. 

“Quais seriam as implicações disso numa sociedade racista, que condena os corpos negros a um mesmo destino? Como poderia esse personagem não sofrer violências semelhantes às que incidiram sobre Lima, e encontrar um fim não menos trágico?”, indaga o autor.

Coordenador do projeto LetrasPretas, voltado ao estudo e divulgação da produção intelectual de mulheres negras, Marques Samyn acredita que há um interesse crescente na obra do autor, sobretudo por parte da juventude negra e pobre que o reconhece como um nome pioneiro da literatura militante:

“O Brasil é um país historicamente racista, o que se reflete em um sistema educacional elitista e excludente. A história de nossa literatura negra é de muita luta e resistência, tanto para viabilizar a publicação quanto para criar um público leitor entre as próprias pessoas negras. Isso vem mudando graças a iniciativas dos movimentos negros e a editoras que assumem essas tarefas, como a Malê.”

Leia também: Encontrados 164 textos de Lima Barreto assinados com pseudônimos

Com 120 páginas (R$ 44,00), o livro tem orelha assinada pelo historiador Petrônio Domingues e prefácio de Caroline Bianca Moreth, que é mestre em literatura e participará de um bate-papo com o autor, no lançamento. A Livraria EdUERJ fica na Rua São Francisco Xavier, 524. O evento de lançamento acontece no próximo dia 21, às 18h, na Livraria EdUERJ, no Campus Maracanã, no Rio.

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Sinopse:

Após a transferência dos internos do Hospício Nacional de Alienados, descobrem-se no prédio duas pilhas de anotações atribuídas a um paciente jamais identificado. A leitura dos fragmentos revela a história de um escritor que voluntariamente se internou no Hospício para seguir os passos de Lima Barreto, mas que conheceu um trágico destino ao tornar- se uma espécie de duplo do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma.

Romance em fragmentos, Uma temporada no inferno não apenas dialoga intensamente com a vida e a obra de Lima Barreto, como também reconstitui um período no qual os discursos e as práticas eugenistas faziam convergir o racismo e a violência manicomial.

Sobre o autor

Henrique Marques Samyn, criado na zona oeste do Rio, é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde leciona na graduação e na pós-graduação e desenvolve pesquisas sobre representações de gênero e raça em produções literárias. Na mesma instituição, coordena o premiado projeto LetrasPretas, dedicado à divulgação e ao estudo da produção intelectual de mulheres negras; também atua como professor e palestrante em diversas universidades brasileiras e estrangeiras.

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