10 poemas de Hilda Hilst cantados por grandes cantoras brasileiras

Obra de Hilda Hilst, a série de poemas “Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio” foi musicada em projeto de Zeca Baleiro, com colaborações de grandes nomes da música brasileira como Rita Lee e Angela Ro Ro.

Hilda Hilst foi poeta, escritora e dramaturga. Uma mulher revolucionária. Não à frente do seu tempo, mas exatamente aquilo que seu tempo precisava para ser empurrado e sacudido à força pra outro lugar.

Em sua obra, buscou inventar liberdades e prazeres para si e para todas as pessoas. Irreverente e potente, se tornou um dos nomes mais importantes da literatura nacional.

Em “Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão”, livro lançado em 1974, escreveu uma série de dez poemas intitulada “Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio” que retratam o amor impossível entre Ariana e Dionísio.

Detalhe da capa do disco Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio, de Zeca Baleiro

Em 2005, o cantor e compositor Zeca Baleiro resolveu fazer um projeto musical da série poética de Hilda Hilst. Para isso, convidou nomes ilustres da música brasileira – todas mulheres que emprestaram sua voz à Ariana de Hilda. Rita Lee, Zélia Duncan, Angela Ro Ro, Maria Bethânia, Mônica Salmasso são alguns nomes que participam do disco.

Cada cantora interpretou um dos 10 poemas. Conheça, abaixo, os poemas e as suas versões musicadas:

I – Canção I (Rita Ribeiro)

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

II – Canção II (Verônica Sabino)

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III – Canção III (Maria Bethânia)

A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?

Veja também: Hilda Hilst conversa com Deus: 4 poemas sobre o divino

IV – Canção IV (Jussara Silveira)

Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante

Como as pessoas fazem
Quando veem a petúnia
Ou a chuva de granizo.

Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana

Não essa que te louva

A cada verso
Mas outra

Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea

Madura, adolescente

E por isso talvez
Te aborreças de mim.

V – Canção V (Angela Ro Ro)

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio,
Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
Ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido
E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria

E no meu quarto se faz verbo de amor.

VI – Canção VI (Ná Ozzetti)

Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães

E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga

Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:

Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás.

VII – Canção VII (Zélia Duncan)

É lícito me dizeres, que Manan, tua mulher
Virá à minha Casa, para aprender comigo
Minha extensa e difícil dialética lírica?
Canção e liberdade não se aprende

Mas posso, encantada, se quiseres

Deitar-me com o amigo que escolheres
E ensinar à mulher e a ti, Dionísio,

A eloquência da boca nos prazeres
E plantar no teu peito, prodigiosa
Um ciúme venenoso e derradeiro.

VIII – Canção VIII (Olivia Byington)

Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus

Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora

E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes

Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta

Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.

IX – Canção IX (Monica Salmasso)

“Conta-se que havia na China uma mulher
 belíssima que enlouquecia de amor todos
os homens. Mas certa vez caiu nas
profundezas de um lago e assustou os peixes.”

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.

X – Canção X (Ângela Maria)

Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.

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