É só entrar nas redes sociais para ver as reações do novo filme de Adam McKay, Não Olhe Pra Cima, que podemos entender do que se trata o próprio filme. Neste caso, a metalinguagem não apenas fala alto, mas grita, estoura, explode e é tão complexamente feita que resulta que qualquer reação ao filme seja, de alguma forma, parte integrante dele. Não Olhe Pra Cima é um filme que nunca acaba, cujo fim é constantemente aberto com os nossos comentários.
Antes de falar do filme especificamente, é importante traçar uma espécie de preparação que Adam McKay fez até chegar a este filme. Em seus outros filmes, Vice e A Grande Aposta, principalmente, ele trouxe fascinação e desconfiança. Poucos decidiram comprar o seu cinema e bancá-lo como uma estética própria, uma tendência ou, até, alguém que tem algo a dizer diante do mundo. E aqui começa o nó de Não Olhe Pra Cima.
Não Olhe Pra Cima tem uma premissa simples: dois cientistas descobrem que um cometa está vindo atingir a terra e, ao alertar políticos e imprensa, se veem diante de tramas políticas, capitalistas, negacionistas, de entretenimento, que se confundem com o próprio assunto, em si. A personagem de Leonardo di Caprio, por exemplo, vira o “cientista gato” chamado pra fazer publis, enquanto a personagem de Jennifer Lawrence será a “culpada” pelo problema do cometa porque…porque ela descobriu o cometa e ele leva seu nome.
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Do outro lado, Meryl Streep é uma presidenta que vê na realidade, qualquer uma, uma oportunidade política para ganhar congresso, para criar uma imagem pública, para fazer eleitores, para ganhar apoiadores. Um cometa que destrói a terra pode ser, então, uma baita oportunidade. Tudo isso administrado ao lado por seu filho, chefe de gabinete (qualquer semelhança é real mesmo). Enquanto isso, um grande empresário à lá Elon Musk diz ter a salvação para o fim do mundo, mas privadamente, sem ouvir os cientistas.
Imagine que Adam McKay não faça propriamente filmes de ficção, mas documentários ficcionais, cinebiografias como Vice, mas não apenas sobre pessoas que existem, mas sobre fluxos, grupos, personas, ideias e tendências que realmente existem. Imagine que essas figuras são como personagens arquetípicos (não é a palavra ideal, ainda, mas serve) diante de um tabuleiro cuja manipulação e recombinado está nas mãos do diretor. Imagine que McKay utiliza esse recurso como se fizesse uma paródia da realidade, uma versão não menos surreal, mas turbinada, reforçada por seus cortes rápidos e suas inserções aleatórias, por sua percepção apurada do tempo contemporâneo, por uma fina camada farsesca (no estilo clássico mesmo, de Moliére ao teatro do absurdo) que perpassa todo o filme. Imagine que ele transforme tudo isso numa alegoria que, antes de refletir a sociedade, faz como um rebatedor de baseball e devolve imediatamente nossos problemas pra gente, sem tempo, intervalo, sem nem tanta reflexão porque sequer há tempo pra isso. A gente se perde porque o tempo acelerado vira instantâneo: McKay para o tempo acelerado e nos mostra o mundo que corre, mas está estagnado. É o tempo de anotar, escrever, encenar e devolver: essa é a parábola do tempo e, talvez, nem McKay nem a gente tenha a resposta.
Desdobrando o filme, percebo que, em um primeiro momento ele criou uma desconfiança nas esquerdas das quais faço parte. Como tudo hoje tem que estar perfeitamente estabilizado em seus lugares, o filme gerou oscilação como se houvesse uma espera pela bandeira branca de gostar ou o aviso de que ele deveria ser “cancelado”. Logo em seguida, porém, decidiu-se que o filme era sobre negacionismos e, por isso, poderiam gostar. As direitas, por sua vez, detestaram desde o começo, seja porque esperavam um filme de guerra, explosões, tramas internas no melhor estilo hollywoodiano e tiveram que encarar um pastiche apocalíptico que se parece demais com eles ou, então, simplesmente porque não entenderam, acharam chato, sentirem que era um filme fora de órbita. E é mesmo.
O humor e a graça são duas coisas completamente distintas. A comédia é um gênero, não um fim. Rir não é o objetivo do humor que tem muito mais a ver com desarticular forças que rir propriamente. A graça vem como consequência disso: todo poderoso que cai é engraçado por si só porque nada mais humilhante pro poder do que se vê de calças curtas ou enforcado pelas próprias cascas de banana. As metáforas poderiam ser muitas.
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Adam McKay é o melhor diretor do mundo pop contemporâneo. E já faz tempo isso. Ele é ao mesmo tempo visionário, cult, acelerado, pop, hollywoodiano e tem uma sagacidade que poucos têm que é a de chafurdar as entranhas de um sistema dentro dele próprio e fazer isso, ainda, como um produto a ser vendido. Ele não faz seus filmes de fora, mas é parte do problema dele mesmo.
O principal personagem de Não Olhe Pra Cima somos nós. E estamos caindo na armadilha que o cinema dele fez.
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