“Relatos de um Desgraçado sem Endereço Fixo”, a literatura breve e voraz de Wesley Barbosa

A escrita é um crime. Nunca inofensiva, a escrita é algo que a gente rouba da vida comum. Disputar o mundo capitalista e as desigualdades, os atravessamentos de classe e raça, investindo no sonho e na utopia da literatura é o que faz dela o que ela jamais pode deixar ser: um obstáculo ao mundo comum e uma catapulta para enfrentar as injustiças.

Wesley Barbosa escreveu sobre isso no conto/novela Relato de um Desgraçado Sem Endereço Fixo. A história do jovem Vinícius que, após terminar os estudos, acaba expulso de casa pela mãe e vai morar em uma pensão onde consegue viver através de bicos é também a história de um sujeito que se descobre escritor sem encontrar no mundo os lugares da escrita. Tirando a biblioteca, onde passa as tardes junto aos livros, todo o resto ou está voltado para a sobrevivência ou para as pequenas necessidades da vida. E como ele escreve? Perseguindo dentro de si a força para escrever, para ser livro. Em determinado momento, diz:

Meu jeito de ser e pensar estava dentro dos livros, nas histórias que eu lia desde a época em que eu estudava no ensino médio, pois em vez de entrar na sala de aula de matemática, eu ficava pelos cantos buscando o significado das palavras nos dicionários.

E a buscas pela palavra, pra Vinícius, mas também Wesley, é também a busca por um lugar no mundo. No Relato de um Desgraçado Sem Endereço Fixo vemos a procura de um escritor que busca a si próprio, mas também na região onde vive, alguém a se espelhar, Porém, enquanto faz isso, precisa procurar uma casa, um lugar pra dormir. Mais ainda, um lugar no mundo, um pedaço daquele espaço que faça da vida dele um lugar onde diga ser seu. Não à toa, a palavra escolhida por Wesley é “desgraçado”, ou seja, seu personagem Vinícius é aquele que está longe ou foi desprovido da graça. O mundo que pode ter guardas-chuvas para muitos, mas não pra ele. Por isso, e para isso, ele escreve.

Um texto curto porque a vida não permite floreios. Uma escrita que abre espaço nisso que chamamos de “literatura marginal” e se coloca nas narrativas que tem nos proscritos um cerne.

Uma baita história para se ler em uma tarde!

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