15 citações de “Para ser escritor”, de Charles Kiefer

O escritor gaúcho Charles Kiefer, autor de Um Outro Olhar (1992), Museu das Coisas Insignificantes (1994), A Poética Do Conto (2004) , entre outros, vencedor de diversos prêmios literários, entre eles, duas vezes o Jabuti, nos traz diversas reflexões sobre o fazer criativo na coletânea de ensaios Para Ser Escritor (2010).

Nesta obra, nos deparamos com valiosas perspectivas de um escritor de sucesso e professor de escrita criativa, o qual compartilha com o leitor o seu olhar sobre o mundo da ficção, a sua experiência com concursos literários, com lançamentos de livros e como ministrante de oficina de escrita criativa. Kiefer inclusive nos revela, nesta obra, um conselho que recebera do grande poeta gaúcho Mário Quintana, o qual Kiefer conta ter sido uma das poucas pessoas a comparecerem ao seu primeiro lançamento! O conselho de Quintana, valioso para Kiefer e também para todo escritor, é o seguinte:

“— Meu filho – ele disse, depois de um olhar desolado sobre meu livro, que ele trouxera consigo e que agora repousava sobre as suas pernas –, escreva 200 poemas... Tirou a fumaça do nariz, olhou uma eternidade para os transeuntes e depois me encarou: — ... e publique 20.”

                O conselho de Quintana, aliás, é o título de um dos textos que compõem a obra, a qual é dividida em diversos ensaios curtos, os quais, de tão breves, podemos até mesmo chamá-los de crônicas. Inclusive, um dos textos trata exatamente da diferente entre conto e crônica. Em mais de 50 crônicas, Kiefer nos traz reflexões diversas, que vão desde sobre os conflitos de ser escritor, diferenças entre escritor e autor, o ofício da escrita, o prazer da leitura, a voz do autor, e até mesmo questões mais contemporâneas, como a escrita em blogs, e a literatura na sociedade, questões de direitos autorais, etc. Tudo isso é expresso em um vocabulário que, ao mesmo tempo em que jamais se desvia da norma culta gramatical, ainda soa despojado, como se o autor estivesse conversando com o leitor, ou dando uma aula de maneira mais acessível. O que faz muito sentido, afinal, ele dedica a obra aos alunos: os que foram e os que ainda serão. De certa forma, esta leitura soa quase como dar uma espiada nas aulas de Kiefer, ou em seu passado, nos seus primeiros lançamentos, e em seu processo de escrita.

Portanto, venha conosco e vamos espiar um pouco mais da sabedoria e das perspectivas de Kiefer com as 15 citações que separamos desta obra:

“A angústia de escrever talvez advenha daí, dessa encruzilhada, dessa cicatriz e dessa impossibilidade de se permanecer escritor por muito tempo. Não será por isso que o fluxo de consciência é tão prazeroso? Porque, em certo sentido, o fluxo, ao fazer jorrar o material inconsciente, é capaz de prolongar a duração do escritor e manter afastado o autor. O autor, ao contrário do escritor, corre rapidamente em direção a outra mutação – transforma-se no profissional de literatura, no cronista, no contista, no romancista.”

“De tanto mostrar-se, a expressão, no choque permanente contra o leito do rio da experiência, arredondará as suas formas, polirá as suas arestas e se transformará em arte.”

“é do fogo e das cinzas da obra desvitalizada que virá a energia necessária para outra obra possível, aquela com frescor de banho e riso de bebê, aquela que se agitará como uma serpente no gramado e que será capaz de mesmerizar até o leitor mais desatento.”

“Narrar é um des-velamento. Desencobrir o que estava velado, no mundo e em si mesmo, e re-velar, tornar a cobrir de véus o que estava evidente, esconder outra vez. Esse duplo movimento, de fazer aparecer e de fazer esconder – o excesso de luz também impede de ver –, é a essência do bom conto.”

“Um bom conto esconde o que mostra e mostra o que esconde, exigindo um leitor ativo, capaz de dinamizar as profundas reservas de energia que o texto não pode sonegar, mas que não deve oferecer com a facilidade dos anúncios publicitários.”

“A arte não imita a vida. Ela produz outra vida.”

                “Narra o que é verossímil e necessário. Lembra-te, o universal decorre do encadeamento causal que estrutura a ação e se configura naquilo que responde às exigências do espírito ou à expectativa comum de todos os espíritos.”

                “Liberar dos ombros o peso da obrigação de ser original libera espaço para coisas mais importantes.”

                “Por um instante, sinto-me feliz, responsável, artista. Em algum lugar, um jovem lerá este texto e sentirá dentro de si uma angústia, um sufoco, um ritmo, uma melodia. E um desejo insuperável de expressão. Na escuridão de seu ser, mais uma vez, o fogo sagrado elevará sua chama.”

“O prazer de ler é como nadar ou andar de bicicleta: a gente nunca esquece.”

“Não sabemos por que estamos aqui, nem sabemos se viver aqui neste minúsculo planeta faz algum sentido. O que sabemos, e o que já demonstramos tantas vezes, é que com nosso engenho e arte somos capazes de transformar as adversidades em vitórias, a feiura em beleza, o pântano em campo verdejante.”

“as palavras, como os tijolos, estão no léxico à espera do habilidoso construtor. Se com elas fazemos muros ou catedrais, é outra questão. Em si, em seu adormecido estado de bibelôs de dicionário, as palavras são neutras. Isoladas, são fósseis. Vivificadas pelo sopro criador são como peixes, esguias, brilhantes e rápidas. Repartidas, multiplicam-se e alimentam quem tem fome de beleza.”

“Um conto deve ser pensado longamente, mas escrito rapidamente.”

“Um conto é um meteorito. É preciso que viaje longamente pelo espaço do imaginário, para incendiar-se, subitamente, ao entrar em contato com a nossa atmosfera.”

“Toda beleza é inútil. E é bom que seja. É a nossa última trincheira, nesse mundo em que tudo vira mercadoria.”

Related posts

Cristina 1300 – Affonso Ávila – Homem ao Termo: entrevista com a diretora Eleonora Santa Rosa

Ficção futurista mostra como seria o mundo dominado pela IA e seus algoritmos

“Garras”, de Lis Vilas Boas, é romantasia ambientada em um fictício Rio de Janeiro dos anos 1920