20 citações de “Zen e a arte da escrita”, de Ray Bradbury

Para o autor do incandescente Fahrenheit 451, da sinistra Árvore do Halloween, entre muitos outros mundos fantásticos apresentados pelas suas obras, o segredo da criatividade parece residir em nós mesmos – no subconsciente de cada um. Em Zen e a arte da escrita, acompanhamos ensaios escritos durante diversos momentos da carreira do autor e, em cada um destes ensaios encontramos os mais variados e preciosos conselhos fabricados com o tecido constituído de vida e ficção, o qual Bradbury vinha tecendo desde a mais tenra idade. O autor nos revela suas experiências pessoais com a escrita, desde quando ganhou a sua primeira máquina de escrever, quando começou a se interessar por ficção, sobre as suas primeiras publicações (e rejeições) e sobre os seus exercícios diários de criatividade, como por exemplo as listas de palavras e associações, a partir das quais Bradbury mostra que muitas de suas obras surgiram.

Este livro é um misto de inspiração e guia de autoconhecimento através da escrita, que funciona como inspiração mesmo para aqueles que não desejem exatamente focar em uma carreira literária, mas escrever por hábito, como forma de mergulhar em si mesmo e se compreender melhor pela escrita. Para quem intenciona praticar mais o hábito da escrita de ficção com o objetivo de compor obras literárias e publicar, a obra traz uma sabedoria essencial, demonstrando como o escritor não pode se deixar ficar no próprio caminho, e sim abrir espaço para as histórias passarem. O autor enfatiza que o processo criativo deve ser focado em: trabalho, relaxamento e não pensar, de forma que se trabalhe tanto até o ponto de isso se tornar relaxante, até que o texto passe a sair sem que precisemos parar para pensar a cada palavra. Bradbury compara a escrita a outras áreas de conhecimento as quais requerem prática, como a escultura, a ginástica, etc, afirmando que a prática conduz à agilidade, e que a quantidade de produção leva à possibilidade da produção de maior qualidade.

Um detalhe precioso deste livro é o foco de Bradbury na escrita como forma de mergulho em si, no subconsciente: ele menciona o exercício de associação de palavras em listas como forma de buscar na mente, nas lembranças de um passado já quase esquecido, sempre algo novo, e demonstra como consegue fazer isso funcionar, o levando a mergulhar em memórias longínquas de sua infância, de onde nascem as mais inesperadas histórias. Aliás, ele chega mesmo a chamar o subconsciente de Musa, o que faz sentido, se considerarmos que ideias surgem de combinações das experiências acumuladas e perspectivas de cada um.

A prosa de Bradbury é sempre marcante e fluida como água, ou mais precisamente como um barco que nos embala em direção ao infinito, guiado por uma luz que não sabemos ao certo ser o nascer ou pôr do sol, mas não conseguimos resistir, e nos deixamos assim ser embalados; portanto, nos ensaios, não poderia ser diferente. Exatamente por isso motivo, é mais interessante para os leitores provarem um pouco da obra não apenas através da minha experiência, mas por meio de algumas passagens, as quais, quem sabe, talvez abram caminhos para novos escritos por parte dos leitores que assim se deixarem tomá-las por inspiração.

“Outro modo de descrever a Musa pode ser acessar aquelas minúsculas fagulhas de luz, aquelas bolhas de ar que flutuam pela visão de todo mundo, relâmpagos passageiros na retina dos olhos. Há anos despercebidas, quando você de repente foca a sua atenção nelas, elas se tornam ruídos insuportáveis, distúrbios da atenção em todas as horas do dia.”

“na vida nos alimentamos de sons, visões, cheiros, sabores e texturas de pessoas, animais, paisagens, eventos, grandes e pequenos. Alimentamo-nos com essas impressões e experiências e com nossas reações a elas. Em nosso subconsciente não estão apenas informações factuais, mas também informações reativas, nosso movimento de aproximação ou de afastamento dos eventos vividos. Essas são as coisas, os alimentos por meio dos quais a Musa cresce”

“O que é o subconsciente para qualquer pessoa, em seu aspecto criativo, torna-se, para os escritores, a Musa. Dois nomes diferentes para a mesma coisa. Mas, independente de como o chamarmos, aqui está o núcleo do indivíduo que desejamos enaltecer, para o qual construímos santuários e fazemos preces em nossa sociedade democrática. Aqui está a tal coisa da originalidade.”

“Quando alguém me pergunta de onde tiro minhas ideias, eu rio. Que estranho – estamos tão ocupados em olhar para fora, para encontrar meios e fundos, que nos esquecemos de olhar para dentro.”

“Cada vez que se ouve um eco do subconsciente, é possível se conhecer um pouco melhor. De um pequeno eco pode surgir uma ideia. De um grande eco pode resultar uma história.”

“No exato momento em que a verdade transborda, o subconsciente deixa de ser um arquivo-lixeira para se tornar um anjo da escrita num livro de ouro.”

“Se algo é ensinado aqui, é simplesmente o relato de vida de alguém que começou em algum lugar – e seguiu em frente. Nunca planejei muito meu caminho pela vida e, sim, fiz coisas e descobri o que elas eram e o que eu era depois de tê-las feito. Cada conto foi um modo de encontrar eus. Cada eu encontrado a cada dia era um pouco diferente daquele encontrado 24 horas antes.”

“quando uma pessoa fala do próprio sonho com o coração, nesse momento de verdade, ela fala poesia”

“anotava qualquer palavra ou série de palavras que me vinham à mente. Eu, então, pegava em armas contra a palavra, ou a favor dela, e gerava um lote de personagens para analisar a palavra e me mostrar o seu significado em minha vida.”

“Primeiro, remexia na minha mente buscando palavras que pudessem descrever os meus pesadelos pessoais, os medos noturnos e da minha infância, e moldava histórias com base neles.”

“Eu estava reunindo imagens de toda a vida, armazenando-as e esquecendo-as. De alguma forma, precisava enviar a mim mesmo ao passado, com as palavras servindo de catalisadores para abrir as lembranças e ver o que tinham para oferecer.”

“mergulhei na surpresa. Ninguém me disse para me surpreender, devo acrescentar. Por meio da ignorância e da experiência, fui para as velhas e melhores formas de escrita e fiquei perplexo quando as verdades saltaram dos arbustos como codornas antes do tiro. Tropecei na criatividade tão cegamente como qualquer criança que está aprendendo a andar e a ver. Aprendi a deixar os meus sentidos e o meu Passado me contarem tudo o que era, de algum modo, verdadeiro.”

“O fluxo nunca cessou. Quando aprendi a cada vez mais ir e voltar para aqueles tempos, obtive muitas lembranças e impressões sensoriais para brincar; não para trabalhar, para brincar. O vinho da alegria nada mais é do que o menino-escondido-no-homem brincando nos campos do Senhor sobre a grama verde de outros agostos, a meio caminho entre começar a crescer e se tornar grande e o sentimento da escuridão que espreita sob as árvores para semear o sangue”

“Uma boa ideia deve nos preocupar como a um cão. Não devemos perturbá-la até a morte, sufocá-la com o intelecto, pontificá-la até ela cair no sono, matá-la com a morte de uma centena de camadas analíticas.”

“Todos nós somos ricos e ignoramos o fato enterrado da sabedoria acumulada. Então frequentemente minhas histórias e peças me ensinam, me lembram de que não devo duvidar de mim mesmo, de minhas vísceras, gânglios ou do subconsciente ouija de novo.”

“Quantidade dá experiência. Da experiência, por si só, a qualidade pode surgir. Todas as artes, grandes e pequenas, são a eliminação do desperdício de movimento em favor de uma expressão concisa.”

“O artista deve trabalhar tanto e tão duro, que um cérebro se desenvolve e vive, por si mesmo, em seus dedos.”

“quanto mais falamos em trabalho, mais perto ficamos do relaxamento. Tensão é o resultado de não saber ou de desistir de saber. Trabalho, ao nos dar experiência, resulta em uma nova confiança e, consequentemente, em relaxamento.”

“o enredo nada mais é do que as pegadas deixadas na neve depois que os seus personagens tiverem passado correndo por ali, a caminho de destinos inacreditáveis. O enredo surge depois do fato, não antes. Ele não pode anteceder a ação. Ele é um mapa que permanece quando uma ação aconteceu. Isso é tudo o que o enredo deveria ser”

“Não há descanso? Não, apenas a jornada para se tornar você mesmo.”

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