Para o autor do incandescente Fahrenheit 451, da sinistra Árvore do Halloween, entre muitos outros mundos fantásticos apresentados pelas suas obras, o segredo da criatividade parece residir em nós mesmos – no subconsciente de cada um. Em Zen e a arte da escrita, acompanhamos ensaios escritos durante diversos momentos da carreira do autor e, em cada um destes ensaios encontramos os mais variados e preciosos conselhos fabricados com o tecido constituído de vida e ficção, o qual Bradbury vinha tecendo desde a mais tenra idade. O autor nos revela suas experiências pessoais com a escrita, desde quando ganhou a sua primeira máquina de escrever, quando começou a se interessar por ficção, sobre as suas primeiras publicações (e rejeições) e sobre os seus exercícios diários de criatividade, como por exemplo as listas de palavras e associações, a partir das quais Bradbury mostra que muitas de suas obras surgiram.
Este livro é um misto de inspiração e guia de autoconhecimento através da escrita, que funciona como inspiração mesmo para aqueles que não desejem exatamente focar em uma carreira literária, mas escrever por hábito, como forma de mergulhar em si mesmo e se compreender melhor pela escrita. Para quem intenciona praticar mais o hábito da escrita de ficção com o objetivo de compor obras literárias e publicar, a obra traz uma sabedoria essencial, demonstrando como o escritor não pode se deixar ficar no próprio caminho, e sim abrir espaço para as histórias passarem. O autor enfatiza que o processo criativo deve ser focado em: trabalho, relaxamento e não pensar, de forma que se trabalhe tanto até o ponto de isso se tornar relaxante, até que o texto passe a sair sem que precisemos parar para pensar a cada palavra. Bradbury compara a escrita a outras áreas de conhecimento as quais requerem prática, como a escultura, a ginástica, etc, afirmando que a prática conduz à agilidade, e que a quantidade de produção leva à possibilidade da produção de maior qualidade.
Um detalhe precioso deste livro é o foco de Bradbury na escrita como forma de mergulho em si, no subconsciente: ele menciona o exercício de associação de palavras em listas como forma de buscar na mente, nas lembranças de um passado já quase esquecido, sempre algo novo, e demonstra como consegue fazer isso funcionar, o levando a mergulhar em memórias longínquas de sua infância, de onde nascem as mais inesperadas histórias. Aliás, ele chega mesmo a chamar o subconsciente de Musa, o que faz sentido, se considerarmos que ideias surgem de combinações das experiências acumuladas e perspectivas de cada um.
A prosa de Bradbury é sempre marcante e fluida como água, ou mais precisamente como um barco que nos embala em direção ao infinito, guiado por uma luz que não sabemos ao certo ser o nascer ou pôr do sol, mas não conseguimos resistir, e nos deixamos assim ser embalados; portanto, nos ensaios, não poderia ser diferente. Exatamente por isso motivo, é mais interessante para os leitores provarem um pouco da obra não apenas através da minha experiência, mas por meio de algumas passagens, as quais, quem sabe, talvez abram caminhos para novos escritos por parte dos leitores que assim se deixarem tomá-las por inspiração.
“na vida nos alimentamos de sons, visões, cheiros, sabores e texturas de pessoas, animais, paisagens, eventos, grandes e pequenos. Alimentamo-nos com essas impressões e experiências e com nossas reações a elas. Em nosso subconsciente não estão apenas informações factuais, mas também informações reativas, nosso movimento de aproximação ou de afastamento dos eventos vividos. Essas são as coisas, os alimentos por meio dos quais a Musa cresce”
“Cada vez que se ouve um eco do subconsciente, é possível se conhecer um pouco melhor. De um pequeno eco pode surgir uma ideia. De um grande eco pode resultar uma história.”