O que O Livreiro de Cabul pode nos ensinar sobre a situação do Afeganistão?

A escritora norueguesa Åsne Seierstad tratou em seu best-seller a vida no Afeganistão depois do regime Talibã; O livro conta a história de Sultan Khan, um livreiro que, em Cabul, tem o sonho de reconstruir a livraria destruída pelos talibãs. Ele é chefe de uma tradicional família afegã: duas mulheres e cinco filhos. Entre os personagens de destaque estão três mulheres: Sharifa, a esposa mais velha, preterida e exilada para o Paquistão, e a mais nova, Sonya, obrigada a se casar aos 16 anos; e Leila, uma das irmãs de Sultan, tratada com desprezo e como se fosse uma escravizada.

Na verdade, a história foi baseada em uma história real. Como conta o site GauchaZh, em 2002, pouco depois do 11 de Setembro, a jornalista viveu por três meses na casa de um sujeito a quem deu o nome fictício de Sultan Khan, protagonista de seu livro.

Sobre a cultura local

Em 2013, ela participou de uma palestra chamada Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS. A norueguesa e o escritor gaúcho Moacyr Scliar falaram sobre A Literatura no Limite da Realidade.

Ela conta que o retrato do inflexível defensor das tradições seculares do Afeganistão, centro de referência e obediência de uma família formada por duas mulheres e 10 filhos, deu a Åsne a certeza de que ali estava um grande enredo. Porém, ela não vê na obra o sujeito como um inimigo, um vilão, porém alguém que deseja reconstituir um país destruído por um poder também destrutivo de sua cultura. Essa ambivalência entre ambos é o que traz o fascínio de leitores e interlocutores da escandinava, que querem ir além das 320 páginas.

O que a família afegã achou do livro?

Ela comenta que a família não ficou feliz de ser retratada a partir de seus pontos de vistas das diferenças culturais. E nisso a autora se equivoca, a partir de um pensamento centrado na lógica europeia, ela ao mesmo tempo que tenta não vilanizar Sultan, trata de exotizar suas ações como um idealista autoritário. Ela comentou a polêmica.

– Ele não é um vilão, o comportamento não é abusivo – esclareceu Åsne durante a entrevista coletiva. Vejo agora que ele esperava que eu escrevesse um conto de fadas, em que ele fosse o anjo guardião do Afeganistão, transformando em ouro e prata tudo que tocasse.

Porém, apesar de todo respeito com ela tratou o livro, essas diferenças culturais não são simples de serem mediadas. Na verdade, a relação entre a hóspede e o anfitrião, entretanto, é bem menos tensa do que parece. Shah Muhammed Rais, que processou Åsne e se defendeu escrevendo Eu Sou o Livreiro de Cabul, foi à Noruega diversas vezes depois de já ter manifestado seu desgosto com a narrativa, teve conversas amenas durante jantares com a escritora e até conheceu os pais dela em sua cidade natal, Lillehammer.

Sobre o talibã

Sultan viu toda a cultura afegã desmoronar com o poder tomado pelo Talibã. Primeiro, viu suas filhas perderem todos os direitos. Depois, ele foi preso, interrogado e encarcerado; e assistiu os soldados talibãs queimarem pilhas e pilhas de livros nas ruas. Foi isso que fez O livreiro de Cabul ser considerado pela crítica um dos melhores livros de reportagem sobre a vida afegã depois da queda do Talibã. A obra é um relato emocionante do cotidiano de uma família islâmica e das dificuldades deste povo para obter conhecimento e se comunicar.

E as consequências do poder Talibã se espalhou para uma vida pós-Talibã: mesmo após a queda do Talibã, submetem-se a casamentos arranjados, maridos poligâmicos e a limitações para viajar, estudar e se comunicar com os outros. Estas e muitas outras histórias chocantes aos nossos olhos ocidentais compõem essa narrativa ímpar, mostrando aspectos do país que poucos estrangeiros testemunhariam. 

História nos tribunais: Eu sou o livreiro de Cabul

O verdadeiro nome do livreiro é Shah Mohamad Rais e a história dele com a escritora acabou nos tribunais. Segundo matéria do Globo, Asne e sua editora se negaram a pedir desculpas a Rais, bem como a lhe entregar uma compensação financeira pelos problemas familiares que, segundo ele, resultaram da publicação do livro. Rais processará Asne por violação de sua vida privada. A jornalista e sua editora propuseram doar 500 mil coroas norueguesas (quase 62 mil euros) a uma fundação dedicada a promover a literatura afegã, mas Rais recusou a oferta.

A autora rebateu:

– A impressão que tenho é de que ele não quer que o conflito termine. Ele exigiu que o livro saísse de circulação, quis que eu o reescrevesse ou que ele viajasse ao meu país para que o reescrevêssemos juntos. Ele nunca fez críticas concretas, não apontou erros, que eu teria corrigido – afirmou.

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