A Floresta, de Daniel Gruber

Publicado originalmente em Ebook Kindle, com versão física financiada em com sucesso pelo Catarse e agora também disponível no site da editora, “A Floresta” é o romance de estreia do escritor gaúcho Daniel Gruber, também autor dos livros de contos “O Jardim das Hespérides” (2017) e “Animais Diários” (2019) e de outros contos disponíveis na plataforma Kindle. Podemos afirmar que “A Floresta” é um romance sobre bruxaria, porém, ele vai além disso: o autor se utiliza muito bem da temática sobrenatural, construindo uma atmosfera sombria e representando em peso o Folk Horror nacional, para tratar de temas bastante densos. Por Folk Horror, nos referimos ao subgênero do horror que trata de histórias as quais se passas em locais rurais e que lida com lendas e folclores locais, como o autor nos contou em entrevista concedida ao NotaTerapia em novembro de 2020. Como exemplos de Folk horror no cinema, temos filmes como A Bruxa (2015) e Midsommar (2019).  No entanto, o fato de ser um grande representante do Folk Horror e trazer o tema da bruxaria não é exatamente o foco principal desse romance, que chama mais atenção pela forma como lida com o horror mais assustador, que não é o sobrenatural, mas o humano.

Uma das frases mais marcantes de “A Floresta” é “Se você entrar na floresta […] a floresta entrará em você” (p. 39), o que abre possibilidade para diversas reflexões e nos remete à famosa frase de Nietzsche sobre o abismo, quando olhamos muito tempo para o abismo, ele nos olha de volta. Ou seja, o mal que espreita nas trevas pode acabar por invadir aqueles que a habitam, o mundo afeta os sujeitos assim como os sujeitos afetam o mundo. Uma possível leitura do romance é que o maior desafio da protagonista, Anna Schutz, seja realizar a travessia da Floresta, ou seja, das trevas do mundo que a cercam, sem permitir que isso a destrua. É aprender a conviver com essas trevas sem perder a sua própria essência.

Anna Schutz é uma jovem, filha de um pastor de uma colônia alemã no sul do Brasil do final do século XIX. Anna é forçada a se casar com um homem bruto, que a mal trata, e é impedida de viver da forma como deseja, de ter qualquer liberdade (o que era bem comum na vida de mulheres da época). Porém, Anna escreve, e deseja muito ser livre e independente, deseja ter voz e ser ouvida; ela faz amizade com uma misteriosa jovem chamada Mathilde Jäger, ou simplesmente Tilda, como acaba sendo chamada. Tilda é uma jovem encantadora e misteriosa, cuja intrigante origem é um dos pontos fortes do que faz o leitor continuar virando as páginas: carismática e decidida, ela inspira Anna a segui-la pela floresta e tomar o protagonismo da própria vida em suas mãos. Porém, há um lado sinistro em Tilda que lentamente é revelado, o que é parte do grande suspense que move a narrativa: a outra parte é o desenvolvimento de Anna. É intrigante imaginar como a protagonista enfrentará todo o mal que a cerca e se ela acabará ou não se rendendo às trevas da floresta. Acompanhamos esse desenvovimento de Anna ao decorrer de 27 capítulos – os quais, aliás, são bastante breves, o que torna a leitura dinâmica: os capítulos acabam rapidamente e é difícil não querer ler o próximo assim que um se encerra, devido a fluidez da prosa e do suspense que muitas vezes é deixando pairando nas últimas linhas.

Este é um livro que agradará não apenas os leitores aficionados por terror e bruxaria (para estes com certeza é um prato cheio), mas todos que apreciem uma boa narrativa e um mergulho nas trevas da humanidade.

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