Gótico Mexicano, de Silvia Garcia-Moreno

Um casarão antigo e sombrio, isolado do resto do mundo. No terreno do casarão, um extenso cemitério envolto em neblina. Parece um cenário de algum romance gótico do século XIX, mas é onde se passa a trama de Gótico Mexicano, de Silvia Garcia-Moreno, finalista do Bram Stoker Awards 2020, eleito o melhor livro de horror no Goodreads Choice Awards 2020 e lançado no Brasil em 2021 pela editora Darkside. O lugar remete aos cenários de obras como O Morro dos Ventos Uivantes, Jane Eyre, ou até mesmo Drácula. Um casarão enorme, mas decadente, no topo de uma colina afastada da vida urbana.

O lugar é habitado por uma família peculiar, repleta de segredos. Os habitantes do casarão chegam a ser comparados pelo narrador a personagens de Horácio Quiroga (quem leu os contos do famoso escritor Uruguaio já tem uma boa ideia da atmosfera do lugar). É para esse lugar isolado e estranho que a jovem Noemí vai para socorrer a prima, Catalina – que se casou com o herdeiro mais velho do casarão – e se encontra doente, isolada da família, e provavelmente em perigo. Noemí é uma jovem de personalidade forte, bem-humorada, inteligente e cheia de energia. Para uma história que se passa nos anos 1950, as ambições e as atitudes de Noemí são bastante a frente de seu tempo, o que reinforça o caráter feminista da obra, que também trata de questões sociais como preconceito racial baseado em ideias de eugenia.

Ao chegar em High Place, Noemí estranha o comportamento da prima, a qual está fechada, distante, muito diferente do que costumava ser, e a família Doyle se mostra altamente peculiar: frios, autoritários, controladores, cheios de regras. A estadia de Noemí na casa dos Doyle pode ser comparada a de Jonathan Harker no castelo de Drácula, devido à hostilidade do ambiente que faz com que a jovem se sinta uma prisioneira. Porém, o crescimento de Noemí no decorrer da narrativa assim como as suas atitudes indomáveis perante a insistente tentativa de controle absoluto dos Doyles sobre ela são aspectos que fazem com que a trama lembre também traços da história de Jane Eyre, em que a mulher afirma a sua independência apesar das adversidades que enfrenta.

A história é por completamente envolta em mistérios, fazendo com que tanto a protagonista quanto os leitores fiquem em dúvidas se os eventos aparentemente sobrenaturais são reais dentro da história ou frutos de alucinações causados pelo ambiente isolado e decadente onde as personagens se encontram. Essa dualidade entre real e imaginário, sanidade e insanidade, natural e sobrenatural acaba por desenvolver um aprofundamento psicológico da trama no qual podemos ver ecos do famoso conto O Papel de Parede Amarelo, de Charlotte Perkins Gilman. Enfim, é uma leitura essencial para quem aprecia um bom romance gótico, o qual ainda se utiliza da temática gótica de forma inteligente para abordar temas relevantes na sociedade atual. O romance deverá ser adaptado em série de TV pela Hulu, com produção executiva da própria autora.

Related posts

Coisas óbvias sobre o amor: chega ao fim a duologia Laranja-Forte, de Elayne Baeta

“O Voo das Libélulas e outros contos inflamáveis”, de Kênia Marangão: quando o fantástico encontra o mais brutal da realidade

O gótico contemporâneo de Lúcio Reis Filho em “Lupedan: um mundo chamado Ego”