As 11 melhores citações de Recordações da Casa dos Mortos, de Fiódor Dostoiévski

O livro “Recordações da Casa dos Mortos” conta, através da narrativa de Alexandre Petrovich, os 10 anos que este personagem passou em uma prisão de trabalhos forçados na Sibéria. O livro, assim como “Crime e Castigo”, também é inspirado nas memórias do próprio Dostoiévski, que passou 4 anos em uma dessas prisões siberianas.

Leia AQUI a resenha completa do livro!

Selecionamos as 11 melhores citações do livro, que é uma obra importantíssima na tradição de livros sobre prisões. Sua leitura confirma a genialidade de Dostoiévski, que é, certamente, um dos maiores escritores de todos os tempos.

Confira:

(…) nunca seria capaz de conceber o tormento medonho de não poder estar só, ainda que apenas por um minuto, durante os dez anos que durou a minha prisão.

Efectivamente, como é que seres arrancados à sociedade e a uma existência normal, sob todos os aspectos talhados para viver e desejosos de viver, seriam capazes de se comportar normal e naturalmente, com boa vontade e bom humor?

O primeiro mês, e em geral o início da minha vida de prisioneiro, estão vivamente presentes no meu espírito, ao passo que os anos seguintes só me deixaram uma recordação confusa. Alguns até se desvanecem nas brumas da memória e deles apenas conservo uma impressão comum de peso, de uniformidade, de asfixia.

Estes cegos executores da lei nunca compreendem nem são capazes de compreender que a aplicação da lei, à letra, sem ter em conta o seu espírito, conduz directamente à rebelião e não pode conduzir a outra coisa. “A lei assim o determina! Que mais querem?”, exclamam, sinceramente surpreendidos que se lhes possa pedir que tenham, a par da aplicação da lei, bom senso e sobriedade.

Assim terminou o espetáculo [de teatro], até à noite seguinte. Separamo-nos, alegres, satisfeitos, a elogiar os actores e a agradecer ao sargento. Nenhuma zaragata. Todos estavam de um bom humor que não era habitual, todos se sentiam felizes e adormeceram, não com de costume, mas sim com a alma quase tranquila. Não se trata de uma ilusão do meu cérebro; trata-se da verdade, da exacta verdade. Permitira-se àqueles pobres homens viverem, embora apenas por alguns instantes, divertirem-se a seu gosto, passarem uma hora esquecidos da sua condição de forçados – e aqueles breves minutos tinham-nos transfigurado moralmente.

Pensa-se mais ardentemente na liberdade quando o sol brilha do que durante as borrascas do Inverno ou os dias chuvosos do Outono.

Estou a esforçar-me por encaixar os nossos forçados em categorias, mas isso é tarefa impossível. A realidade é infinitamente diversa, esquiva-se às engenhosas deduções do pensamento abstracto e não se submete a nenhuma classificação estreita e precisa. A realidade tem tendência para a fragmentação contínua, para a variedade infinita.

Deverei descrever aqui toda essa vida, todos esses anos de trabalho forçado? Creio que não. Se tivesse de contar, por ordem, tudo quanto vi e sofri durante esse tempo, duplicaria, ou triplicaria até, o número de capítulos deste livro.

Lembro-me de longos dias de tédio, semelhantes à gotas que, depois da chuva, caem uma a uma de um telhado. Um único, um ardente desejo de ressurreição, de renovação, de vida transformada, me alentou, me deu coragem para ter paciência, para esperar. No fim, acabei por me empedernir. Aguardava cada novo dia só para o poder descontar. Embora ainda tivesse de passar um bom milhar deles nos trabalhos forçados, era com satisfação que diminuía um a esse milhar. Acompanhava cada novo dia que passava como quem segue um enterro, e enterrava-o, feliz por ver aproximar-se o seguinte.

À medida que regressavam do trabalho, os forçados tomavam conhecimento do caso, que corria já de boca em boca, e todos experimentavam uma alegria secreta, mas profunda. O coração de cada homem punha-se a bater mais depressa… Aquela evasão quebrava a monotonia da vida prisional, agitava o formigueiro, encontrava um eco fraternal em todos os reclusos e despertava neles sentimentos e sensações havia muito adormentados. A esperança, a audácia, a possibilidade de “mudar de sorte”, faziam fremir as almas.

Nos últimos tempos desfrutei de muito mais imunidades do que durante toda a minha reclusão. Encontrara, entre os oficiais de serviço na cidade, conhecidos e antigos camaradas de escola e reatara relações com eles. Por seu intermédio pude dispor de mais dinheiro, escrever à minha família e arranjar livros. Havia anos que não lia um único e seria difícil descrever a estranha emoção que me causou o primeiro volume – uma revista. Lembro-me de ter começado a ler à noite, depois de fecharem as casernas, e de ter continuado a leitura pela noite fora, até o nascer do dia. Dir-se-ia que viera até mim um mensageiro de outro mundo. A minha vida antiga surgiu aos meus olhos com extrema claridade e tentei adivinhar, através do que lia, se me deixara ficar para trás, se eles – os outros, os livres – tinham vivido muito, sem mim.

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