As 14 melhores frases de Bolor, de Augusto Abelaira

Bolor, de Augusto Abelaira, é um romance do chamado “neorrealismo português”, lançado em 1968, que conta a história do triângulo amoroso Humberto, casado com Maria dos Remédios, que tem uma relação extraconjugal com Aleixo. Maria dos Remédios busca, a todo instante, tentar entender o seu lugar na relação com Humberto. Quer saber porque ele está com ela e se ele a ama e, assim, projeta no diário de Humberto suas indagações que ele jamais lê porque, sem que ela saiba, havia prometido escrever sem ler as páginas anteriores.

Ao mesmo tempo, Aleixo, melhor amigo de Humberto, também resolve escrever um diário em que, diante de sua solidão, resolve emular as pessoas de Humberto e Maria dos Remédios. Assim como faz com Humberto, Maria quer saber de Aleixo sobre seu lugar naquela relação para, talvez, se encontrar no mundo.

O NotaTerapia separou as melhores frases da obra:

Daqui a quatro ou cinco meses terá envelhecido quatro ou cinco meses, essas mulheres não terão envelhecido um único segundo. Daqui a quatro ou cinco meses terão rigorosamente a idade que tiverem, a idade em que as conhecerei daqui a quatro ou cinco meses, eu que não as terei conhecido quatro ou cinco meses antes.

Um objecto standartizado, construído peça a peça por mãos alheias que nunca se apertaram umas nas outras, igual a milhares de outros neste momento cobrindo milhares de pulsos (diferentes). Como posso então triunfar nesta arqueologia insensata de reconstituir quem és Quem somos todos nós neste mundo onde nada foi feito por nós – nós os homens vulgares?

Respondi-lhe que nem sempre as palavras são necessárias, duas pessoas podem mergulhar numa mesma felicidade, numa felicidade comum, embora entregues a coisas diferentes.

Aprende a olhar, pois as palavras são cegas, são surdas, não tem sabor, nem tacto…

Pois ao observar com mais a Catarina com mais atenção concluí ser a mim próprio que desejava ver morto. “Porque não morri em vez dela?”, lembro-me de dizer – não como inúmeras vezes acontece pelo (generoso) desejo de sacrifício, mas por acreditar profundamente que um de nós devia morrer, mas morrer, sim, para que o outro sobrevivesse e, sobrevivendo, recuperasse a juventude. Um de nós estava a mais, mas não necessariamente ela.

Concentrar-me-ei nesta ideia: espantar-me por não me espantar, por conseguir viver sem espanto num mundo espantoso.

Vergonha de escrever um diário. Vergonha porquê? Vergonha de sugerir uma vida íntima que escapa (e que escapou até hoje) aos olhos dos outros? à primeira vista, talvez. Mas então esta caneta (e não eu) apressa-se a escrever: “Se um homem esconde uma vida íntima sobre a qual se debruça, sobre a qual pensa e volta a pensar, não seria pelo receio de que os outros, sabendo-o assim detentor de intimidade procurem reconstituí-la?”

Os artistas, todos os artistas, penso muitas vezes, deviam emudecer, pôr-se entre parêntesis até que o mundo se transforme. Com vontade ou sem ela, dão satisfação às necessidades vitais de beleza, não de todos os homens, mas somente de alguns: e os piores! Em vez de ajudar os homens a libertarem-se a arte ajuda esses piores, essa burguesia endinheirada a usufruir uma beleza imerecida.

Um acaso? Posso acreditar numa ideia tão absurda como a do acaso em vez de pensar que não há acaso, tudo pode ser matematicamente previsto, só a nossa ignorância nos impede de tudo prever?

Mudo de corpo como quem muda de ideias, mudo de ideias como quem mudo de corpo.

Não são inocentes, e se há crime nos gestos também o há nas palavras: elas são o substituto dos gestos. Mesmo quando neutras, mesmo quando falamos da guerra do Vietname ou da revolução cultural chinesa ou duma fita ou dum livro, as palavras estão carregadas da intensidade dos gestos.

Somos reacionários irremediáveis, somos contra-revolucionários incorrigíveis, regimes como o nosso são os regimes ideais. São-nos álibis, permitem-nos a boa consciência, a precisa ilusão de nos supormos revolucionários…

O nós é elástico, percebes?, como um balão, pode ganhar a amplitude que quisermos, que lhe soubermos dar, ser cheio de vento ou cheio de sentido, de riqueza concreta, efectiva, humana…É a medida da nossa generosidade, afinal. Ou do nosso egoísmo. Um nós em que cabem todos os deserdados da Terra é um nós onde eu não caibo.

As palavras não são verdadeiras nem falsas. – (São como as árvores, escrevo agora, são como as pedras, são como todas as outras coisas).

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