Possivelmente, você já tenha lido um livro, um texto ou uma frase desse escritor. Seus textos popularizaram-se na década de 90 e até hoje circulam na internet. Talvez, um dos principais motivos, seja a linguagem simples marcada pela sensibilidade que dá ao leitor a possibilidade de reflexão.
Rubem Alves (1933- 2014), além de escritor, foi teólogo, educador e psicanalista. Também foi membro da Academia Campinense de Letras, professor emérito da Unicamp e cidadão honorário de Campinas. Autor de inúmeras obras, publicou textos sobre educação, teologia, crônicas e histórias infantis.
O livro Se eu pudesse viver minha vida novamente (2006) reúne pequenos textos de diversas temáticas como, por exemplo, a escrita, a arte, a tristeza, a saudade, o passado e a velhice. Algumas reflexões nos fazem perceber o quanto a vida é breve e devemos aproveitar cada instante plenamente.
Confira as principais reflexões:
Agora, ao final de nossas andanças, nossos olhos são outros, olhos de velhice, de saudade. “Toda saudade é uma espécie de velhice”, disse o Riobaldo. É por isso que os olhos dos velhos vão se enchendo de ausências. “Memória fraca”, dizem os jovens. Engano: é que a sua alma sabe o que merece ser lembrado. Esquecem-se do que aconteceu ontem, mas se lembram do que aconteceu há muito tempo, como se fosse hoje.
Para isto caminhamos a vida inteira: para chegar ao lugar de onde partimos. E, quando chegamos, é a surpresa. É como se nunca o tivéssemos visto.
A alma dos poetas está cheia de objetos decrépitos. E é por isso que fazem poesia, para trazê-los de novo à vida. A poesia opera ressurreições.
A imaginação é a artista que transforma o sofrimento em beleza. E beleza torna a dor suportável. Por isso escrevo estórias: para realizar a alquimia de transformar dor em flor. Minhas estórias são as minhas porções mágicas… Não há contra-indicações nem é preciso receitas…
Os artistas são feiticeiros que tentam paralisar o crepúsculo. Eternizar o efêmero. Todas as vezes que ouço aquela música ou leio aquele poema, o passado ressuscita. A beleza da arte nasce da tristeza. Se não houvesse tristeza, não haveria arte.
Li que na antiga tradição samurai, quando um guerreiro recebia a ordem de cometer o suicídio ritual chamado sepuku, antes do gesto final ele deveria escrever um haicai. Haicais são poemas mínimos nos quais a condensação poética é levada ao seu grau máximo. A morte exige brevidade de palavras, porque o tempo é curto. E, sendo curto o tempo, as palavras devem dizer o essencial. Estou completando setenta anos. O tempo é curto. É preciso aprender a escrever haicais. É preciso dizer o essencial.
É sempre possível deixar o barco atracado ou só navegar nas baías mansas. Aí não há perigo de naufrágio. Mas não há o prazer do calafrio e do desconhecido.
Entregue-se, sem vergonha e sem sentimentos de culpa, às delícias do ócio. Aprenda a andar sem ter de chegar a lugar algum, simplesmente gozando o mundo que nos cerca! Faça o fantástico turismo gratuito dos livros. Você irá a tempos e lugares aonde avião algum pode chegar. Há também o mundo maravilhoso da música. Lembro-me do senhor Américo, que nos seus 85 anos descobriu a beleza da música clássica e a ela se entregou até a morte, como se ela fosse uma amante.
É por isso que precisamos dos poetas. Pois eles são aqueles que tecem as suas palavras em volta do frágil fio que nos amarra sobre o abismo. Eles sabem que nos nossos corpos mora um adeus.
A vida é assim. Mas, se é manhã brilhante o tempo todo, alguma coisa está errada. Tristeza é preciso. A tristeza torna as pessoas mais ternas. Se é crepúsculo o tempo todo, alguma coisa não está bem. Alegria é preciso. Alegria é a chama que dá vontade de viver.
Plantei árvores, tive filhos, escrevi livros, tenho muitos amigos e, sobretudo, gosto de brincar. Que mais posso desejar? Se eu pudesse viver minha vida novamente, eu a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou.
Eu nunca imaginei que seria escritor. Não me preparei para isso. Conheço pouco da tradição literária. A literatura me chegou sem que eu esperasse, sem que eu preparasse o seu caminho. Chegou-me através de experiências de solidão e sofrimento. A solidão e o sofrimento me fizeram sensível à voz dos poetas. A decisão foi tomada depois de completar quarenta anos: não mais escreveria para os meus pares do mundo acadêmico, filósofos ou teólogos. Escreveria para as pessoas comuns. E que outra maneira existe de se comunicar com as pessoas comuns senão simplesmente dizer as palavras que o amor escolhe?